domingo, 21 de fevereiro de 2016

Mataram Mariana. Álvaro Arranja. «… dirigida aos sectores mais desfavorecidos da sociedade, com promessas de melhoria das condições sociais. Foi a fase do bacalhau a pataco…»

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«(…) Vivia-se o momento alto dessa aliança entre a plebe urbana de Lisboa e a elite do Partido Republicano que tornou possível a revolução. Usando a definição de Fernando Rosas, o bloco social e político do 5 de Outubro a esteio da Primeira República, estava no seu auge. O Governo Provisório da República tinha consciência das expectativas geradas no seio do operariado, por anos de propaganda anti-monárquica dirigida aos sectores mais desfavorecidos da sociedade, com promessas de melhoria das condições sociais. Foi a fase do bacalhau a pataco… Após o 5 de Outubro, os republicanos defrontam-se com a questão social, levantada sobretudo pelas inúmeras greves que eclodem. Logo a 24 de Outubro, declaram-se em greve os carroceiros de Lisboa e Setúbal (a carroça era ainda o principal meio de transporte de mercadorias). Segundo A Capital, os efeitos da greve fazem-se sentir com o comércio e a construção civil paralisados. Ainda segundo o mesmo jornal, estão 8000 carroceiros em greve. Poucos dias depois, mesmo nos últimos dias de Outubro, os fragateiros tomam idêntica iniciativa. Em 5 de Novembro são os ferroviários da linha da Póvoa. Outras greves surgem, como a dos eléctricos, as dos corticeiros, a dos estampadores, a do calçado, serração, operários da União Fabril, os marítimos e os gazomistas de Setúbal.
No dia 15, inicia-se uma greve na Carris. O Século, ao alto da primeira página, sob o título Operários que se Agitam, Lisboa Sem Carros Eléctricos, informa que os operários da fábrica geradora abandonam o trabalho e todo o pessoal da Companhia se declara em greve. Ainda na mesma notícia, é afirmado que em toda a cidade os eléctricos estacaram por falta de corrente. Os chauffeurs da Empresa de Automóveis de Aluguer de Lisboa (hoje taxistas) declaram-se em greve, no dia 24 de Novembro, tendo os proprietários sido convocados ao Governo Civil, para uma tentativa de mediação que não resultou. A 25 de Novembro são os ferroviários do Minho e do Douro, depois os caixeiros e os cortadores. Cerca de sessenta greves são declaradas entre o 5 de Outubro e o final do ano de 1910. Neste ano de 1910, segundo um inquérito oficial, havia em Portugal 119 sindicatos em actividade, com 23 237 membros. Lisboa tinha 33 sindicatos, com 7570 membros; o Porto 39 sindicatos, com 7645 membros, e o resto do País 47 sindicatos, com 8022 membros.
Tinha-se chegado a esta situação depois de uma década de lento declínio. Sobretudo desde 1906, quando o Governo de João Franco atiçou a oposição republicana, que a maior parte dos sindicatos tinha vindo a perder apoio, à medida que os trabalhadores se deixavam absorver pela perspectiva próxima da revolução. Em 1910, dos 4 sindicatos com mais de 100 membros (a Associação de Classe da Construção Civil do Porto, as A. C. dos Marítimos e dos Soldadores de Setúbal e a A. C. dos Operários Têxteis de Lisboa) só um tinha sede em Lisboa. Porém, a proclamação da República transformou esta situação. Na Primavera de 1911 já existiam 356 sindicatos em Portugal, a maioria dos quais haviam sido fundados ou reanimados depois de Outubro de 1910. A sua distribuição geográfica também se alterara claramente. A área mais forte era agora o Sul, isto é, os concelhos de Lisboa e Setúbal, o Alentejo e o Algarve, onde o PRP (Partido Republicano Português) fora mais popular durante a Monarquia. O Porto ficava com menos de metade dos sindicatos de Lisboa e os concelhos limítrofes com muito menos do que Almada, o Barreiro e o Seixal ou até Setúbal por si só». In Álvaro Arranja, Mataram Mariana, Dos Fuzilamentos de Setúbal à Ruptura Operariado-República em 1911, Centro de Estudos Bocageanos, nº 14, Setúbal, 2011, ISBN 978-989-8361-05-9.

Cortesia CEB/JDACT