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«O
estatuto de Viseu como centro político, eclesiástico e comercial, actuou como
factor de desenvolvimento e fixação de mercadores e judeus. Datam dos finais de
Duzentos os primeiros testemunhos da presença hebraica nesta cidade, cuja
comuna prosperou sobretudo a partir dos inícios de Quatrocentos, no momento em
que Viseu deu início a um intenso processo de reconstrução, após três décadas
de conflito e destruição que marcaram todo o reinado fernandino e os primeiros
anos da governação de João I. Neste artigo abordamos o perfil
multi-confessional de Viseu medieval e o contributo judaico na construção do
espaço urbano e social da cidade, no período anterior à expulsão dos hebreus,
em 1496. Analisamos os contornos
deste processo de coexistência e de colaboração, por vezes pouco pacífica,
entre os judeus e a catedral. Esta, como detentora de grande parte da
propriedade urbana da cidade, funcionou como importante interlocutor no
relacionamento dos cristãos com a minoria judia e exerceu uma forte influência
nos seus mecanismos de organização espacial. Entre algumas questões analisadas
neste âmbito, destacamos a deslocalização do bairro judaico, em grande medida
como consequência das relações de poder e da defesa dos interesses de judeus e
cristãos no contexto da reorganização da malha urbana quatrocentista de Viseu.
No
início da segunda metade de Duzentos, Portugal terminava a sua participação no processo
de Reconquista do território peninsular, cumprindo aquele que fora um dos seus
principais desígnios durante mais de século e meio de história, desde o tempo
em que apenas constituía um pequeno condado subordinado ao reino de Leão. Com
efeito, depois de alcançar a independência política, ractificada por bula papal
de Alexandre III, em 1179, um novo
passo seria dado setenta anos depois pelo jovem reino português, ao conquistar-se
definitivamente o território do Algarve, em 1249. Este acontecimento, que constituiu um importante sucesso
militar face ao domínio muçulmano da Península Ibérica, permitiu ao rei Afonso
III definir os contornos políticos de Portugal, aproximando-os dos limites
daquela que veio a ser a sua fronteira definitiva, ao mesmo tempo que
possibilitou a este monarca cimentar o equilíbrio político e socio-económico do
reino, através de um poder régio actuante e centralizador e de uma geografia
urbana dinâmica, embora heterogénea. Esta matização do mundo citadino português
de meados do século XIII resultava, em grande medida, da existência de um eixo
urbano litorâneo, paralelo à costa atlântica, formado por núcleos urbanos como
Braga, Guimarães, Porto, Coimbra, Santarém e Lisboa, que no seu conjunto se
contrapunha a um vasto elenco de localidades de menor expressão populacional no
interior do país, entre as quais se assinalavam Bragança, Chaves, Lamego,
Viseu, Guarda, Estremoz, Moura, Beja, e ainda Faro e Silves, estas duas
situadas na costa sul do Algarve recém-conquistado. Não obstante as assimetrias
entre o litoral e o interior e a forte matriz rural das cidades e vilas
medievais portuguesas, estas constituíam espaços dinâmicos fortemente credores
das concepções urbanísticas romanas e muçulmanas, que vieram a conhecer nesta
fase pós-Reconquista importantes alterações morfológicas decorrentes, entre
vários aspectos, do aumento da população e do consequente alargamento da malha
urbana para os bairros limítrofes, então chamados de arrabaldes (esta expansão
urbana para os arrabaldes já se verificava antes do fim da Reconquista em
cidades mais desenvolvidas como Coimbra, Santarém ou Lisboa). Estas novas
áreas, normalmente localizadas em zonas mais baixas e exteriores às cinturas
amuralhadas, congregavam uma parte significativa da vida citadina, formando
espaços por excelência de concentração da actividade artesanal e mercantil, com
características físicas, funcionais, sociais e confessionais próprias, patentes
no arruamento dos ofícios, de acordo com as suas especificidades, e na
constituição de ruas ou bairros afectos a um qualquer grupo étnico ou religioso
minoritário». In Anísio Sousa Saraiva, Metamorfoses
da cidade medieval. A coexistência entre a comunidade judaica e a catedral de
Viseu, Revista Medievalista, nº 11, 2012, Universidade de Coimbra; Centro de
História da Sociedade e da Cultura; Centro de Estudos de História Religiosa, IEM,
ISSN 1646-740X.
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