jdact
e wikipedia
«(…)
Quantos anos tens, perguntou o Jem, quatro e meio? Tou quase a fazer sete. Atão
e depois?, disse o Jem, fazendo-me sinal com o polegar. Ali a Scout lê desde
que nasceu e ainda nem sequer anda na escola. Para quem vai fazer sete anos
pareces-me muito pequenote. Sou pequeno, mas já tenho alguma idade, respondeu
ele. O Jem puxou o cabelo para trás para ver melhor. Por que é que não vens
connosco, Charles Barker Harris? perguntou. Meu Deus, mas que nome! É tão
esquisito com’o teu. A minha tia Rachel diz que o teu nome é Jeremy Atticus
Finch. O Jem franziu o sobrolho. Eu pelo menos tenho tamanho suficiente para o
meu nome!,disse. O teu nome ainda é maior que tu. P’rai um metro. Os meus
amigos chamam-me Dill, disse o Dill, tentando passar por baixo da cerca. Safavas-te
melhor se passasses por cima e não por baixo disse-lhe. Dond’e que vens? O Dill
era de Meridian, Mississipi, e estava a passar o Verão com a sua tia, miss
Rachel, e a partir de agora viria passar todos os Verões a Maycomb. A sua
família era originalmente oriunda de Maycomb County. A mãe dele trabalhava para
um fotógrafo em Meridian e tinha enviado uma fotografia de Dill para um
concurso de beleza infantil e ganho cinco dólares. Depois, deu o dinheiro ao
Dill, que, à custa dele, foi ao cinema vinte vezes. Nós cá não temos cinema,
excepto às vezes os filmes bíblicos que passam no tribunal, referiu o Jem. Já
viste alguma coisa de jeito? O Dill já tinha visto o Drácula, uma revelação que
fez com que o Jem começasse a vê-lo com um pouco mais de respeito. Conta-nos
lá!, pediu-lhe. O Dill era um bocado para o estranho. Usava uns calções azuis
de linho abotoados até à camisa, o cabelo era branco como a neve e colado à
cabeça como a penugem de um pinto; era um ano mais velho do que eu, mas eu era
mais alta do que ele. À medida que nos ia contando aquela história já com
barbas, os seus olhos ora clareavam, ora escureciam; o seu riso era instantâneo
e feliz e tinha por hábito puxar para trás uma mecha de cabelo que tinha bem no
centro da testa. Quando o Dill reduziu o Drácula a cinzas, e o Jem disse que o
relato parecia melhor do que o livro, perguntei ao Dill onde estava o pai dele:
ainda não disseste uma palavra sobre ele. Não tenho pai. Morreu? Não..., Atão
se não morreu, tens pai, não tens?
O
Dill corou e o Jem mandou-me calar, um sinal óbvio de que o Dill tinha passado
o teste e sido aceite. Daí em diante o Verão passou num contentamento
rotineiro. Por contentamento rotineiro entendíamos: melhorar a nossa casa da
árvore, suspensa no pátio entre duas gigantescas cerejeiras, preocuparmo-nos
com coisas insignificantes, percorrer a nossa lista de dramatizações baseadas
nos trabalhos de Oliver Optic, Victor Appleton e Edgar Rice Burroughs. Nesta
matéria tínhamos sorte em ter o Dill. Era ele que agora desempenhava as
personagens que antes me eram atribuídas, o macaco de Tarzan, Mr. Crabtree de
The Rover Boys, Mr. Damon de Tom Swift. Foi assim que ficámos a conhecer o Dill
como uma espécie de Merlin em ponto pequeno, cuja imaginação fervilhava de
planos excêntricos, estranhos desejos e bizarras fantasias. No entanto, no
final de Agosto, já o nosso repertório estava gasto de tantas e incontáveis
representações e foi aí que o Dill nos deu a ideia de tentarmos despertar o Boo
Radley. Dill estava fascinado pela Casa Radley. Apesar dos nossos avisos e
explicações, atraía-o como a Lua atrai a água, só que não o atraía para além do
poste de electricidade da esquina, algo que se podia considerar como a margem
de segurança para o portão dos Radley. E ali ficava ele, abraçado ao poste
gordo, a olhar e a imaginar.
A
Casa Radley erguia-se numa curva apertada perto da nossa casa. Caminhando para
sul, via-se a sua varanda; o passeio contornava-a e estendia-se ao longo do
terreno. Esta casa térrea fora outrora branca e tivera uma vasta varanda
frontal com portadas verdes. Mas há muito que tinha escurecido até se
transformar naquele tom cinzento-escuro que a envolvia. As telhas apodrecidas
pela chuva debruçavam-se sobre as caleiras da varanda; os carvalhos impediam a
entrada do sol. Os restos de uma cerca para prender os animais guardavam, meio
ébrios, o pátio da frente, a chamada sala de visitas que nunca recebia
ninguém, onde cresciam em abundância sorgos bravos e perpétuas. Dentro da casa
vivia um fantasma malévolo. As pessoas diziam que existia, embora eu e o Jem
nunca o tivéssemos visto. Diziam que saía nas noites em que a lua estava baixa
e punha-se a espreitar às janelas. Quando, de um momento para o outro, as
azáleas de alguém congelavam, era sinal de que ele tinha estado a respirar ali
perto». In Harper Lee, To Kill a Mockingbird, Por Favor, não Matem a Cotovia,
edição/reimpressão 1986, Publicações Europa-América, livros de bolso, ISBN
978-972-101-550-0.
Cortesia
de PEAmérica/Wikipédia/JDACT