domingo, 21 de fevereiro de 2016

To Kill a Mockingbird. Não Matem a Cotovia. Harper Lee. «A Casa Radley erguia-se numa curva apertada perto da nossa casa. Caminhando para sul, via-se a sua varanda; o passeio contornava-a e estendia-se ao longo do terreno. Esta casa térrea fora outrora branca»

jdact e wikipedia

«(…) Quantos anos tens, perguntou o Jem, quatro e meio? Tou quase a fazer sete. Atão e depois?, disse o Jem, fazendo-me sinal com o polegar. Ali a Scout lê desde que nasceu e ainda nem sequer anda na escola. Para quem vai fazer sete anos pareces-me muito pequenote. Sou pequeno, mas já tenho alguma idade, respondeu ele. O Jem puxou o cabelo para trás para ver melhor. Por que é que não vens connosco, Charles Barker Harris? perguntou. Meu Deus, mas que nome! É tão esquisito com’o teu. A minha tia Rachel diz que o teu nome é Jeremy Atticus Finch. O Jem franziu o sobrolho. Eu pelo menos tenho tamanho suficiente para o meu nome!,disse. O teu nome ainda é maior que tu. P’rai um metro. Os meus amigos chamam-me Dill, disse o Dill, tentando passar por baixo da cerca. Safavas-te melhor se passasses por cima e não por baixo disse-lhe. Dond’e que vens? O Dill era de Meridian, Mississipi, e estava a passar o Verão com a sua tia, miss Rachel, e a partir de agora viria passar todos os Verões a Maycomb. A sua família era originalmente oriunda de Maycomb County. A mãe dele trabalhava para um fotógrafo em Meridian e tinha enviado uma fotografia de Dill para um concurso de beleza infantil e ganho cinco dólares. Depois, deu o dinheiro ao Dill, que, à custa dele, foi ao cinema vinte vezes. Nós cá não temos cinema, excepto às vezes os filmes bíblicos que passam no tribunal, referiu o Jem. Já viste alguma coisa de jeito? O Dill já tinha visto o Drácula, uma revelação que fez com que o Jem começasse a vê-lo com um pouco mais de respeito. Conta-nos lá!, pediu-lhe. O Dill era um bocado para o estranho. Usava uns calções azuis de linho abotoados até à camisa, o cabelo era branco como a neve e colado à cabeça como a penugem de um pinto; era um ano mais velho do que eu, mas eu era mais alta do que ele. À medida que nos ia contando aquela história já com barbas, os seus olhos ora clareavam, ora escureciam; o seu riso era instantâneo e feliz e tinha por hábito puxar para trás uma mecha de cabelo que tinha bem no centro da testa. Quando o Dill reduziu o Drácula a cinzas, e o Jem disse que o relato parecia melhor do que o livro, perguntei ao Dill onde estava o pai dele: ainda não disseste uma palavra sobre ele. Não tenho pai. Morreu? Não..., Atão se não morreu, tens pai, não tens?
O Dill corou e o Jem mandou-me calar, um sinal óbvio de que o Dill tinha passado o teste e sido aceite. Daí em diante o Verão passou num contentamento rotineiro. Por contentamento rotineiro entendíamos: melhorar a nossa casa da árvore, suspensa no pátio entre duas gigantescas cerejeiras, preocuparmo-nos com coisas insignificantes, percorrer a nossa lista de dramatizações baseadas nos trabalhos de Oliver Optic, Victor Appleton e Edgar Rice Burroughs. Nesta matéria tínhamos sorte em ter o Dill. Era ele que agora desempenhava as personagens que antes me eram atribuídas, o macaco de Tarzan, Mr. Crabtree de The Rover Boys, Mr. Damon de Tom Swift. Foi assim que ficámos a conhecer o Dill como uma espécie de Merlin em ponto pequeno, cuja imaginação fervilhava de planos excêntricos, estranhos desejos e bizarras fantasias. No entanto, no final de Agosto, já o nosso repertório estava gasto de tantas e incontáveis representações e foi aí que o Dill nos deu a ideia de tentarmos despertar o Boo Radley. Dill estava fascinado pela Casa Radley. Apesar dos nossos avisos e explicações, atraía-o como a Lua atrai a água, só que não o atraía para além do poste de electricidade da esquina, algo que se podia considerar como a margem de segurança para o portão dos Radley. E ali ficava ele, abraçado ao poste gordo, a olhar e a imaginar.
A Casa Radley erguia-se numa curva apertada perto da nossa casa. Caminhando para sul, via-se a sua varanda; o passeio contornava-a e estendia-se ao longo do terreno. Esta casa térrea fora outrora branca e tivera uma vasta varanda frontal com portadas verdes. Mas há muito que tinha escurecido até se transformar naquele tom cinzento-escuro que a envolvia. As telhas apodrecidas pela chuva debruçavam-se sobre as caleiras da varanda; os carvalhos impediam a entrada do sol. Os restos de uma cerca para prender os animais guardavam, meio ébrios, o pátio da frente, a chamada sala de visitas que nunca recebia ninguém, onde cresciam em abundância sorgos bravos e perpétuas. Dentro da casa vivia um fantasma malévolo. As pessoas diziam que existia, embora eu e o Jem nunca o tivéssemos visto. Diziam que saía nas noites em que a lua estava baixa e punha-se a espreitar às janelas. Quando, de um momento para o outro, as azáleas de alguém congelavam, era sinal de que ele tinha estado a respirar ali perto». In Harper Lee, To Kill a Mockingbird, Por Favor, não Matem a Cotovia, edição/reimpressão 1986, Publicações Europa-América, livros de bolso, ISBN 978-972-101-550-0.

Cortesia de PEAmérica/Wikipédia/JDACT