terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Ao Encontro de Espinosa. António Damásio. «E o que é o ‘conatus’ de Espinosa em termos biológicos contemporâneos? É o agregado de disposições presentes em circuitos cerebrais que, uma vez activados, levam à procura da sobrevida e do bem-estar»

Cortesia de wikipedia

Os Apetites e as Emoções.. Nos Ramos Médios
«(…) Não contente com as benesses da sobrevida, a natureza tratou de nos proporcionar uma mais valia: o equipamento inato da regulação da vida não está desenhado para produzir um estado neutro, a meio caminho entre a vida e a morte. Pelo contrário, a finalidade do esforço homeostático é produzir um estado de vida melhor do que neutro, produzir aquilo que nós, seres pensantes, identificamos com o bem-estar. A colecção inteira de processos homeostáticos governa a vida, de momento a momento, em cada célula dos nossos corpos. Esta governação é conseguida por meio de um arranjo simples. Primeiro, opera-se uma mudança no ambiente de um organismo, internamente ou externamente. Segundo, as mudanças podem alterar potencialmente o curso da vida de um organismo, constituindo uma ameaça para a sua integridade ou uma oportunidade para a sua melhoria. Terceiro, o organismo detecta a mudança e responde de forma a criar uma situação mais benéfica para a sua auto-preservação. Todas as reacções homeostáticas funcionam desta maneira e constituem, por isso mesmo, meios de avaliar as circunstâncias internas ou externas de um organismo, de modo a permitir uma actuação que corresponda a essas circunstâncias. As reacções homeostáticas detectam dificuldades ou oportunidades e resolvem, por meio de acções, o problema de eliminar as dificuldades ou aproveitar as oportunidades. O que difere, a esse nível, é a complexidade da avaliação e da resposta, maiores do que nas simples reacções a partir das quais as emoções-propriamente-ditas foram construídas no curso da evolução biológica. Está bem de ver que a tentativa contínua de conseguir um estado de vida equilibrado é um aspecto profundo e definidor da nossa existência. É o que nos diz Espinosa, que vai mais longe e chama a esta tentativa a primeira realidade da nossa existência, uma realidade que ele descreve como o esforço implacável da auto-preservação presente em qualquer ser. Espinosa designa esse esforço implacável com o termo conatus, a palavra latina que pode também traduzir-se como tendência, no sentido em que aparece nas Proposições VI, VII e VII da Ética, Parte III. Nas palavras de Espinosa: cada coisa na medida do seu poder, esforça-se por perseverar no seu ser e, o esforço através do qual cada coisa tende a perseverar no seu ser nada mais é do que a essência dessa coisa.
Interpretada à luz do conhecimento actual, a noção de Espinosa implica que um organismo vivo está construído de forma a lutar, contra toda e qualquer ameaça, pela manutenção da coerência das suas estruturas e funções. O conatus diz respeito não só ao ímpeto de auto-preservação, mas também ao conjunto de actos de auto-preservação que mantêm a integridade de um corpo. Apesar de todas as transformações por que um corpo vivo passa, à medida que se desenvolve, substitui as suas partes constitutivas e envelhece, o conatus encarrega-se de respeitar o mesmo plano estrutural em todas essas operações e, deste modo, de manter o mesmo indivíduo. Os sentimentos suportam o nível de regulação homeostática que se segue ao das emoções-propriamente-ditas. Os sentimentos são a expressão mental de todos os outros níveis da regulação homeostática. E o que é o conatus de Espinosa em termos biológicos contemporâneos? O conatus é o agregado de disposições presentes em circuitos cerebrais que, uma vez activados por certas condições do ambiente interno ou externo, levam à procura da sobrevida e do bem-estar. As variadas actividades do conatus estão representadas no cérebro por sinais químicos e neurais. Os numerosos aspectos do processo da vida são continuamente representados no cérebro em mapas constituídos por células nervosas que se encontram em diversos locais do cérebro». In António Damásio, Ao Encontro de Espinosa, As Emoções Sociais e a Neurologia do Sentir, Publicações Europa-América, Fórum da Ciência, 2003, ISBN: 972-1-05229-9.

Cortesia de PEA/JDACT