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«A marquesa
de Paiva, também conhecida, apenas, como La
Païva, foi das mulheres que mais curiosidade inspirou no seu tempo. Não
dispondo dos trunfos de quem nasce numa família com bens económicos e capital
de relações sociais, originária de um lugar com opções limitadas, transmutou
esse fracasso inicial tornando-se uma caçadora inveterada de homens ricos e
influentes, grandes burgueses que se deixavam atrair irresistivelmente pela sua
força mágica, impotentes contra o seu misterioso talento para acender os
terríveis desejos da carne. Personagem surpreendente e com uma vida extraordinária,
a marquesa de Paiva é o arquétipo da prostituta parisiense da segunda metade do
século XIX, a última de uma estirpe lendária que personificou uma época já
extinta.
Nascida
na Rússia, numa família de judeus humildes, a marquesa de Paiva não tinha uma
única origem, mas sim muitas circunstâncias. Mulher de índole forte e perseverante,
com uma vontade de aço, La Païva lutou
sem tréguas contra o destino para se libertar da pobreza, e enriquecer
tornou-se o grande objectivo da sua vida, a sua maior preocupação. O berço não
lhe concedeu vantagens nem lhe facilitou a vida, mas deixou-lhe a convicção de
que não valia a pena viver se não fosse para ser rica. Desprendeu-se dos pais,
do primeiro marido e do filho (provavelmente nem sequer gostava de crianças), e
atirou-se de corpo e alma a esse projecto, nesse desígnio concentrou todas as suas
forças e resoluções, a isso se dedicou imutavelmente e nunca mais se afastou
dos seus propósitos. Segundo ela, o dinheiro prepondera em tudo e em todos, é essa
a verdadeira condição do ser humano: aspirar ao máximo de dinheiro. E o mundo,
nesse sentido, divide-se em dois tipos de pessoas, os que têm muito e vivem na
opulência e os que vivem na pobreza e na miséria, na desdita.
Com
meticulosa obstinação maníaca, premeditou outro destino e fugiu para Paris.
Chegou sozinha e sem convicções, nem paixões, apenas uma visão: ser rica.
Durante o resto da sua vida, não pensou em mais nada a não ser locupletar-se,
não teve outro pensamento, outra ideia, que não fosse enriquecer. Era esse o
elemento essencial da sua organização e a base da sua felicidade. Não era o
amor (nunca ardeu de amor), não era a amizade (raros foram os seus amigos), não
eram os filhos (teve dois e abandonou-os), não eram os maridos, não era o sexo.
A sua fogosidade na alcova era directamente proporcional às posses do amante
(homens sem dinheiro não duravam muito na sua cama) e tinha horror a gatos,
cães, aves e crianças, tudo aquilo que dá trabalho e não se traduz em dinheiro,
e que a podia distrair da caça ao bezerro de ouro.
Implacável
sedutora, com uma capacidade invulgar para penetrar rapidamente num grupo ou
meio social, tudo fez para adquirir uma posição na sociedade parisiense. Embora
não fosse especialmente dotada pela natureza, era de pequena estatura mas
generosa de carnes e larga de cintura, tinha uma testa proeminente, alta e quadrada,
e o rosto redondo, os cabelos abundantes, os olhos grandes e muito abertos, o nariz
um pouco achatado, dir-se-ia mongólico, e a boca de lábios grossos davam-lhe um
aspecto invulgar, tornou-se prostituta de luxo. A marquesa de Paiva não
correspondia ao padrão convencional de beleza feminina e isso permitiu-lhe
exercer um grande fascínio nos homens. Sem ser muito elegante ou bonita, era
carismática e sabia realçar as suas formas deselegantes e desgraciosas, as
ondulações do seu corpo, sabia como o manobrar. O contacto directo com o
ambiente da prostituição permitiu-lhe saber exactamente o que os homens desejavam
e estar onde devia no momento apropriado, tanto assim foi que se tornou a
rainha das cortesãs do Segundo Império e um dos grandes mitos sexuais franceses
da segunda metade do século XIX». In João Pedro George, Marquesa de Paiva
(1819-1884), Publicações dom Quixote, 2015, ISBN 978-972-205-675-5.
Cortesia
de PdQuixote/JDACT