segunda-feira, 5 de agosto de 2019

A Política Matrimonial da dinastia de Avis. Maria Helena C. Coelho. «Aliás, segundo parece, Leonor exprimiu a sua própria vontade, declarando que só se casaria com a majestade imperial e cesárea»

Cortesia de wikipedia e jdact

Leonor e Federico III da Alemanha
«(…) Não foram, porém, estes agentes, mas justamente os da facção contrária, que vieram a concretizar a aliança com o Império. Nem foram tão-pouco aquelas as peças jogadas. Em vez de Joana e Ladislau serão Leonor e o próprio imperador Frederico III a entrarem em cena. Em Julho de 1448, o infante Pedro deixa o regimento do reino a Afonso V e retira-se para o seu ducado de Coimbra. Ora, por cartas da rainha de Aragão de 14 de Outubro de 1448, que recomendava aos reis e rainhas de Castela, Portugal e Navarra e ao duque e duquesa de Coimbra os embaixadores de Frederico III a Portugal, o barão austríaco Jorge Volrestorf e o cónego de Augsburg Ulderico Riedrer, sabemos que o próprio imperador tinha em vista contrair matrimónio com uma infanta deste reino, que se afamava com a expansão ultramarina e avultava cada vez mais nas rotas comerciais. Mas as rédeas da acção estariam já em poder do rei e rainha de Aragão, os adversários do infante Pedro, que se concertavam com o principal parceiro deste jogo de alianças, o irmão da infanta, o rei de Portugal, Afonso V. Afonso, o Magnânimo, rei de Aragão e de Nápoles, apadrinha este matrimónio tendo em vista a segurança das suas possessões italianas, sempre ameaçadas por França e pelo Papado, e o reforço do seu poder no reino de Aragão. Não menos, como já foi notado, se assume, em grande parte, como o tutor dos filhos de sua irmã, em especial de dona Leonor, a quem diz amar, não como uma sobrinha, mas como filha. O monarca português, se bem que talvez preferisse a união de uma das suas irmãs com o Delfim da França, não negligenciaria, como outra hipótese possível, o reforço dos seus laços com Aragão e a creditação do seu poderio e prestígio pela união da casa de Portugal com o Império. Para, alguns anos mais tarde, em 1455, sedimentar ainda mais as suas redes de apoio peninsulares ao casar a sua irmã Joana com Henrique IV de Castela.
Entretanto, no reino português, os acontecimentos precipitam-se. Agudizam-se as facções opostas do duque de Coimbra e do duque de Bragança, manobrando este intensamente na corte, junto do monarca. Cresce a tensão e o ódio entre partidos rivais. O desenlace será o enfrentamento militar entre a hoste régia e a de Pedro, no campo de Alfarrobeira, que terá, como epílogo, a morte do infante, em Maio de 1449. Os seus partidários serão considerados traidores, vendo os bens confiscados. A tristeza e a dor toldariam os ânimos de alguns portugueses. Nada melhor para que Afonso V se impusesse, acima de tudo e de todos, que oferecer ao reino um magno e prestigiado acontecimento. A semente estava lançada com a prévia embaixada do imperador da Alemanha. O fruto amadurecido colher-se-á com muita alegria por dentro de um elaborado cerimonial e uma ostentatória pompa. Os esponsórios de dona Leonor de Portugal com Frederico III, imperador da Alemanha, serão, a todos os títulos modelares, segundo os cânones civis e eclesiásticos. Para servirem de exemplum legitimador do rei de Portugal e dos Algarves e senhor de Ceuta e do imperador, rei dos Romanos.
O casamento assumia-se, nestes finais da Idade Média, como uma união sacramental que devia decorrer sob a benção da Igreja. Acto de vontade dos nubentes, em que, no pleno uso da liberdade, tão cara a estes alvores da modernidade, se lhes exigia o respectivo consentimento. Comummente aceite era já então a ideia de que a plena efectivação do matrimónio ocorria só com a sua consumação. Mas as uniões régias exigiam mais delongas e não excluíam sequer o consensus, no verdadeiro sentido da palavra no direito romano, o acordo dos progenitores, que, como vimos, verdadeiramente o ditava. E depois havia de ser formalizado o contrato nupcial, com a especificação das doações que em tal ocasião eram devidas. Tudo conhecemos, com pormenor, nos esponsórios de Leonor com Frederico III. Talvez fruto da primeira embaixada alemã a Portugal, as ideias clarificaram-se. Arredou-se do pensamento afonsino a hipótese do casamento da irmã com o herdeiro da França e prefigurou-se a união com o Imperador da Alemanha. Aliás, segundo parece, Leonor exprimiu a sua própria vontade, declarando que só se casaria com a majestade imperial e cesárea. Nas Cortes de Santarém de 1451, o monarca consultou as forças sociais do reino sobre este enlace, que foi aceite, sendo outorgados à coroa, para a sua despesa, dois pedidos e meio e uma dízima e meia. Parte então para Nápoles, em Junho, o procurador do soberano, João Fernandes Silveira, pois, aí, segundo a vontade do imperador, seria acordado o contrato nupcial, sob os auspícios de Afonso, o Magnânimo. Reúne-se, então, com os procuradores de Frederico III, Eneas, bispo de Trieste, Jorge Vollesdorff, barão do ducado de Áustria, seus conselheiros, e Miguel Phullendorf, seu secretário. O contrato virá a ser outorgado a 10 de Dezembro de 1450, na presença de autoridades ilustres, como o duque da Calábria e de Clèves e os embaixadores das repúblicas de Veneza e Florença». In Maria Helena Cruz Coelho, A Política Matrimonial da dinastia de Avis, Leonor e Federico III da Alemanha, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, Revista Portuguesa de História, XXXVI, 2002-2003, Wikipedia.

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