quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Em Torno de Hilda Hilst. Nilze Maria A. R. S. Busato. «Se há uma disputa que mexe com os nervos entre os leitores de Hilda Hilst é saber se ela é mais poeta ou mais prosadora, ou, de outra maneira, se foi mais longe literariamente na poesia ou na prosa de ficção»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Difícil separar essa carga erótica do próprio percurso poético da palavra na sua obra. Provavelmente é ela que, sub-repticiamente, habita o tom elevado e sublime com que a sua lírica invade os versos de Da morte. Odes mínimas ou dos versos de Poemas malditos, gozosos e devotos. Há em Hilda Hilst uma premência por atingir um alvo sublime, que se deposita num horizonte mítico. A sua palavra, no conjunto da sua obra, carrega esse work in progress, ou seja, um roteiro poético que vai desreferencializando os signos que aponta, nomeando-os de formas diferentes, exponenciando-os como figuras. Que o leitor se entenda nessas sendas. Que o leitor mesmo se enlace e se desenlace e que se lance à leitura dos roteiros que por ora se oferecem à descoberta dos espaços percorridos pela linguagem pela autora brasileira. A literatura é um mal. Opera aos poucos uma metamorfose. Na mente. Na linguagem. No quotidiano das palavras. Acentua os limites. Enfatiza os horizontes. Organiza o caos. Demoniza. E pergunta com a ingenuidade dos que não sabem e têm fome pela voz de uma de suas personagens, América, na peça A possessa: eu digo as coisas que penso. Só isso. Se elas são más não sei. Muitas vezes eu nem sei quem sou. Mas penso que não há mal nenhum em perguntar o que não se entende. [...] Assim é que começam as coisas. Com as perguntas.
Em torno de Hilda Hilst também pergunta. E ousa responder. Mas está no gesto da ousadia toda a fortuna da vida. Mais uma lição que a escritora, poeta e dramaturga soube ensinar na sua vida dedicada à literatura. Este livro é a tarefa e o aprendizado. Que o leitor desfrute sem limite.

Hilda Menor. Teatro e crónica
Se há uma disputa que mexe com os nervos entre os leitores de Hilda Hilst é saber se ela é mais poeta ou mais prosadora, ou, de outra maneira, se foi mais longe literariamente na poesia ou na prosa de ficção. Por outro lado, pouca atenção tem sido dada até agora, mesmo pelos seus mais fiéis leitores, aos textos que produziu nos dois outros géneros, aparentemente mais frutos de ocasião em sua escrita do que de engajamento sistemático e consequente. Falo naturalmente do teatro e da crónica. Em relação à crónica, o desinteresse parece até mais compreensível: Hilda se limitou a escrever para um único jornal, de circulação apenas regional, durante um período bem determinado (1992-1995). A publicação em livro desse material apenas aconteceu, e ainda parcialmente, em 1998, por iniciativa da editora Nankin, de São Paulo. O conjunto delas só foi editado em 2007, pela editora Globo. A rigor, portanto, sua circulação ampla é muito recente. No que toca ao teatro, parte da história é semelhante: as suas oito peças também foram escritas num período bem determinado, mais precisamente de 1967 a 1969. À excepção da única peça mais conhecida, O verdugo, todo o material ficou inédito em livro até 2000, quando foram lançadas quatro das peças pela editora Nankin. A edição do conjunto integral das peças novamente ocorreu apenas na edição da Globo, em 2008.
Há diferenças, contudo: o teatro de Hilda foi escrito num período em que era ele o género que mais contundentemente catalisava a produção e a recepção cultural de época. Ele poderia ter ficado conhecido e ter sido muito mais montado e debatido do que realmente foi. Nada mais diverso do que se dá com a crónica, cujo lugar cultural, tanto no jornal como no cenário literário brasileiro sempre foi secundário. Mesmo Rubem Braga, o mais celebrado dos cronistas brasileiros do século XX, ressentia-se dessa situação de relativo desdém pelo género, mesmo que em geral o negasse. Além disso, há um dado bem curioso e importante a ser anotado aqui. Conquanto o teatro propriamente dito de Hilda Hilst esteja praticamente esquecido, a dramaturgia sobre a sua obra em prosa não teatral cresce sistematicamente! E, a julgar pela volúpia com que jovens dramaturgos têm se lançado sobre sua prosa, esse crescimento promete ser muito maior. É como se o teatro de Hilda apenas alcançasse o seu ponto de realização na prosa e como se o que produziu directamente como teatro não chegasse lá». In Nilze Maria Azevedo Reguera Susanna Busato, Em Torno de Hilda Hilst, Editora UNESP, 2015, ISBN 978-856-833-469-0.

Editora UNESP/JDACT