Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) Difícil separar essa carga
erótica do próprio percurso poético da palavra na sua obra. Provavelmente é ela
que, sub-repticiamente, habita o tom elevado e sublime com que a sua lírica
invade os versos de Da morte. Odes mínimas
ou dos versos de Poemas
malditos, gozosos e devotos. Há em Hilda Hilst uma premência por
atingir um alvo sublime, que se deposita num horizonte mítico. A sua palavra,
no conjunto da sua obra, carrega esse work
in progress, ou seja, um roteiro poético que vai
desreferencializando os signos que aponta, nomeando-os de formas diferentes,
exponenciando-os como figuras. Que o leitor se entenda nessas sendas. Que o
leitor mesmo se enlace e se desenlace e que se lance à leitura dos roteiros que
por ora se oferecem à descoberta dos espaços percorridos pela linguagem pela
autora brasileira. A literatura é um mal. Opera aos poucos uma metamorfose. Na
mente. Na linguagem. No quotidiano das palavras. Acentua os limites. Enfatiza
os horizontes. Organiza o caos. Demoniza. E pergunta com a ingenuidade dos que
não sabem e têm fome pela voz de uma de suas personagens, América, na peça A possessa: eu digo as coisas que
penso. Só isso. Se elas são más não sei. Muitas vezes eu nem sei quem sou. Mas
penso que não há mal nenhum em perguntar o que não se entende. [...] Assim é
que começam as coisas. Com as perguntas.
Em torno de Hilda Hilst também pergunta. E ousa responder. Mas
está no gesto da ousadia toda a fortuna da vida. Mais uma lição que a
escritora, poeta e dramaturga soube ensinar na sua vida dedicada à literatura.
Este livro é a tarefa e o aprendizado. Que o leitor desfrute sem limite.
Hilda
Menor. Teatro e crónica
Se há uma disputa que mexe com os
nervos entre os leitores de Hilda Hilst é saber se ela é mais poeta ou mais
prosadora, ou, de outra maneira, se foi mais longe literariamente na poesia ou
na prosa de ficção. Por outro lado, pouca atenção tem sido dada até agora,
mesmo pelos seus mais fiéis leitores, aos textos que produziu nos dois outros
géneros, aparentemente mais frutos de ocasião em sua escrita do que de
engajamento sistemático e consequente. Falo naturalmente do teatro e da crónica.
Em relação à crónica, o desinteresse parece até mais compreensível: Hilda se limitou
a escrever para um único jornal, de circulação apenas regional, durante um
período bem determinado (1992-1995). A publicação em livro desse material
apenas aconteceu, e ainda parcialmente, em 1998, por iniciativa da editora
Nankin, de São Paulo. O conjunto delas só foi editado em 2007, pela editora Globo.
A rigor, portanto, sua circulação ampla é muito recente. No que toca ao teatro,
parte da história é semelhante: as suas oito peças também foram escritas num
período bem determinado, mais precisamente de 1967 a 1969. À excepção da única
peça mais conhecida, O verdugo,
todo o material ficou inédito em livro até 2000, quando foram lançadas quatro
das peças pela editora Nankin. A edição do conjunto integral das peças
novamente ocorreu apenas na edição da Globo, em 2008.
Há diferenças, contudo: o teatro
de Hilda foi escrito num período em que era ele o género que mais
contundentemente catalisava a produção e a recepção cultural de época. Ele
poderia ter ficado conhecido e ter sido muito mais montado e debatido do que
realmente foi. Nada mais diverso do que se dá com a crónica, cujo lugar
cultural, tanto no jornal como no cenário literário brasileiro sempre foi secundário.
Mesmo Rubem Braga, o mais celebrado dos cronistas brasileiros do século XX,
ressentia-se dessa situação de relativo desdém pelo género, mesmo que em geral
o negasse. Além disso, há um dado bem curioso e importante a ser anotado aqui.
Conquanto o teatro propriamente dito de Hilda Hilst esteja praticamente esquecido,
a dramaturgia sobre a sua obra em prosa não teatral cresce sistematicamente! E,
a julgar pela volúpia com que jovens dramaturgos têm se lançado sobre sua
prosa, esse crescimento promete ser muito maior. É como se o teatro de Hilda apenas
alcançasse o seu ponto de realização na prosa e como se o que produziu directamente
como teatro não chegasse lá». In Nilze Maria Azevedo Reguera Susanna
Busato, Em Torno de Hilda Hilst, Editora UNESP, 2015, ISBN 978-856-833-469-0.
Editora UNESP/JDACT