segunda-feira, 2 de maio de 2016

A Guardiã. Melissa Marr. «Ela foi muito amada e continuará sendo. Maylene olhou então para a neta, estendendo o frasco. Em silêncio, Rebbekah bebeu uma segunda vez»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Não! Ansiosa, rasgou o envelope, e a parte de cima esvoaçou até ao chão, aterrando perto de um vaso de ave-do-paraíso junto à porta. O frasco prateado da sua avó estava aninhado dentro do grosso pacote e um lenço branco com um rendado delicado havia sido amarrado em volta dele. Não!, repetiu. Subiu correndo os lances de escada, um tanto desnorteada. Entrou no apartamento como um furacão, agarrou o telefone móvel e na mesma hora ligou para a avó. Onde está?, sussurrava, enquanto continuava ouvindo o toque do outro lado. Atenda o telefone. Por favor, por favor. Atenda. Ligou várias vezes para os dois números de Maylene, mas nem o telefone de casa nem o móvel, que a própria neta havia insistido que a avó comprasse, respondiam. Segurou o frasco entre as mãos. Ele nunca estivera longe de Maylene desde que Rebbekah se entendia por pessoa. Quando saía de casa, ele ia dentro da bolsa. No jardim, ficava num dos bolsos fundos do avental. Em casa, o seu lugar era na bancada da cozinha ou na mesinha de cabeceira. E a cada funeral que Rebbekah havia comparecido junto com a avó, lá estava ele.
Rebbekah adentrou o quarto escuro. Sabia que Ella estava pronta para ser enterrada, mas o velório só começaria dali a uma hora. Fechou a porta com o maior cuidado, tentando ficar em silêncio, e foi até ao final do quarto. As lágrimas escorriam pelo rosto, pingando no vestido. Não faz mal chorar, Beks. Ela passou os olhos pelo quarto escuro, detendo-se nas cadeiras e nos arranjos de flores, até que viu a avó sentada numa poltrona confortável localizada num canto. Maylene... Eu não... Pensei que eu estivesse sozinha com..., olhou para Ella, com... Achei que apenas ela estivesse aqui. Ela definitivamente não está aqui, disse Maylene, sem desviar a atenção para Rebbekah nem sair da poltrona. Permaneceu na sombra, com o olhar fixo na sua neta de sangue, em Ella. Ela não podia ter feito isso, desabafou Rebbekah. Naquele momento sentia raiva de Ella. Não confessaria a ninguém, mas sentia. O suicídio fez todo mundo chorar, embaralhou tudo. Julia, a mãe de Rebbekah, ficou louca: passou a vasculhar o quarto dela em busca de drogas, ler o seu diário e vigiá-la de perto. Jimmy, o seu padrasto, começou a beber no dia em que Ella foi encontrada e, pelo visto, ainda não tinha parado.
Venha cá, murmurou Maylene, no meio da escuridão. Rebbekah foi até lá e deixou que a avó a enlaçasse num abraço perfumado de rosas. Ela afagou o cabelo da neta e proferiu palavras delicadas, numa língua desconhecida. Foi aí que Rebbekah derramou todas as lágrimas que estava segurando até então. Quando ela parou, Maylene abriu uma enorme bolsa e tirou de dentro um frasco prateado, gravado com rosas e parreiras que se enroscavam formando duas iniciais: A. B. Remédio amargo, explicou Maylene, inclinando o frasco para dar um gole. Em seguida ofereceu-o a Rebbekah. Com a mão trêmula e húmida de suor e muco, ela pegou-o e bebeu um pouco do líquido. Começou a tossir ao sentir uma queimar a propagar-se da garganta em direcção ao estômago. Não é sangue do meu sangue, mas é tão minha quanto ela era, disse Maylene enquanto se levantava e pegava o recipiente de volta. E agora mais ainda. Ela ergueu o frasco, como se estivesse fazendo um brinde, e disse: dos meus lábios para os seus ouvidos, seu canalha. Enquanto bebia uísque, apertava a mão de Rebbekah. Ela foi muito amada e continuará sendo. Maylene olhou então para a neta, estendendo o frasco. Em silêncio, Rebbekah bebeu uma segunda vez.
Se algo me acontecer, cuide do túmulo dela, cuide durante três meses. Da mesma forma como quando vai comigo, tome conta dos túmulos, implorou Maylene, com a voz firme, apertando mais forte a mão de Rebbekah. Prometa. Prometo, respondeu ela, sentindo o coração acelerar. Está doente? Não, mas sou uma velha senhora, retrucou, largando a mão de Rebbekah para tocar em Ella. Pensei que você e Ella Mae iriam..., emendou, balançando a cabeça. Preciso de si, Rebbekah. Claro, assegurou a neta, com certo tremor. Três goles para garantir. Nem um a mais nem um a menos, afirmou Maylene e estendeu o frasco pela terceira vez. Três nos seus lábios durante o enterro. Três na terra por três meses. Entendeu? Assentindo com a cabeça, Rebbekah deu o terceiro gole. Enquanto isso, Maylene inclinava-se para beijar a testa de Ella. Agora durma. Consegue ouvir-me? Durma bem, minha garota, e permaneça onde eu a deixar». In Melissa Marr, A Guardiã, tradução de Débora Fleck, Editora Rocco, Wikipédia, 2011/2012, ISBN 978-853-252-776-9.

Cortesia de ERocco/JDACT