sexta-feira, 2 de agosto de 2019

A Política Matrimonial da dinastia de Avis. Maria Helena C. Coelho. «Enalteceu-se graças a uma propaganda política suportada por ritos, cerimoniais, crónicas, poesias, retratos e túmulos, representações simbólicas do prestígio, feitos…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Leonor e Federico III da Alemanha
«(…) A dinastia de Avis, que tem a sua matriz fundacional na escolha, que não sucessão, de um rei, para mais um bastardo, procurou legitimar-se no ser e parecer. Entreteceu-se pelos laços de família, cultivou-se nas letras e ciências, engrandeceu-se por valorosos feitos guerreiros, santificou-se pela moral e bons costumes e até mesmo pelo martírio. Os actos fundamentaram, desde a raiz, essa árvore genealógica de ilustres vergônteas. O rei João I o os infantes de Avis, a Ínclita Geração, assumem-se e representam-se com uma família unida, santa e culta. Ela se fez ao mar e conquistou Ceuta, como mais tarde Arzila e Tânger, cristianizando o Norte de África. Esforçou-se por povoar e humanizar espaços virgens e selvagens, como os das ilhas da Madeira, Açores, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe. Afrontou mitos e lendas e sulcou o oceano Atlântico, aproveitando-se das riquezas que a África lhe oferecia e, agigantando-se, deu a conhecer ao mundo uma estrada marítima para a Índia. Perenizou-se pela escrita em obras sobre a montaria e equitação ou sobre a moral e valores da nobreza. Santificou-se no exemplum de uma família unida e devota, na morte redentora pela pátria de um dos seus infantes e na santidade monástica de uma das suas princesas. Imortalizou-se pela arte, reunindo-se, depois da morte, num mesmo panteão dinástico, o mosteiro da Batalha, penhor de uma memória régia plurissecular. Enalteceu-se graças a uma propaganda política suportada por ritos, cerimoniais, crónicas, poesias, retratos e túmulos, representações simbólicas do prestígio, feitos, valores e imorredouro poder da realeza. Enfim, redimensionou-se e ancorou-se no variegado xadrez político da cristandade, graças a uma ponderada e sábia diplomacia. Diplomacia orquestrada com diversos meios e agentes, mas superiormente dirigida pelo jogo político das alianças matrimoniais.
Um casamento entre as famílias nobres era, como se sabe, um acto de estratégia familiar e patrimonial, de transmissão e valorização da linhagem e de resguardo ou engrandecimento da riqueza herdada. Mas entre as famílias régias era, para além de tudo isso, e predominantemente, um acto político Com as uniões matrimoniais buscavam-se os aliados, no intuito de um reforço do poder político, que se queria firmado no interior de um reino, mas maximamente projectado na constelação internacional das realezas. Um casamento, mais do que qualquer outro acto diplomático, unia partidos ou casas reais, não apenas pelo vínculo político, mas pelo vínculo de sangue, dos herdeiros e das heranças. Matrimónio fértil era, pois, laço político indestrutível, para o bem, numa conseguida aliança, ou para o mal, se os objectivos se malograssem. Acto talvez só remediável com uma nova aposta de consórcio matrimonial por entre outras casas reinantes.
Ponderadamente, o rei fundador de Avis pensou as estratégias matrimoniais da sua linhagem. Antes de mais planeou a sua própria, consorciando-se com dona Filipa de Lencastre, revivificando a sua preferencial aliança com a Inglaterra, para se fortalecer, também por essa via, face ao poderio castelhano. Os infantes diversificaram, porém, a rede internacional de apoios ao escolherem as suas noivas. O herdeiro do trono, Duarte, congraçou-se com outro tradicional aliado de Portugal, o reino de Aragão, matrimoniando-se com dona Leonor. O infante Pedro também aí, ainda que em facção rival, buscou a sua noiva, unindo-se a dona Isabel, filha do conde de Urgel. A infanta dona Isabel comprometer-se-á com o duque de Borgonha, Filipe, o Bom, facilitando ao reino português as relações económicas, diplomáticas e artísticas com muitas casas reais europeias. Finalmente a filha ilegítima de João I, dona Brites, protagonizará dois matrimónios internacionais, um com o conde de Arundel e outro com o barão de Irchenfield. A casa de Avis viu-se, assim, enlaçada, pelo sangue, com a coroa inglesa e aragonesa e com o ducado da Borgonha, entre outros». In Maria Helena Cruz Coelho, A Política Matrimonial da dinastia de Avis, Leonor e Federico III da Alemanha, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, Revista Portuguesa de História, XXXVI, 2002-2003, Wikipedia.

Cortesia de RevistaPdeHistória/JDACT