segunda-feira, 4 de novembro de 2019

A Raia Alentejana Medieval e os Pólos de Defesa Militar. Hugo M. P. Calado. «As obras de geografia histórica têm então um papel importante, e existem várias que têm como objecto principal de estudo a questão da definição da fronteira luso-castelhana…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Com a devida vénia ao Mestre Hugo Calado

O castelo de Noudar e a defesa do património nacional
O castelo de Noudar na historiografia Regional Portuguesa
«(…) Temos também obras mais recentes sobre castelos, que apresentam fotografias das estruturas, e onde Noudar está presente. Apresenta um pequeno enquadramento histórico do castelo, com imagens, inserindo a fortaleza num contexto histórico que envolve todo o Alentejo e suas fortalezas. São obras cujo objectivo é divulgação cultural e turística, não têm a preocupação de fornecer elementos para um estudo aprofundado sobre estruturas fortificadas. Quanto a publicações cujos autores de facto elegeram o castelo de Noudar como alvo principal do seu estudo, existe uma monografia (datada de 1986), sobre o referido castelo, sendo das poucas monografias existentes que centraliza a sua atenção por completo neste sítio, sobre os seus mais diversos aspectos.
Para o estudo de Noudar, existe outro artigo onde o local é estudado como integrante da fronteira raiana (a comenda de Noudar da Ordem de Avis: a memória da fronteira entre a Idade Média e a Idade Moderna), sendo que aqui a questão da memória popular é muito importante, pois suporta demarcações fronteiriças, através do recurso a fontes. Nesta zona, desenvolve-se uma consciência de diferenciação fronteiriça, onde a memória dos integrantes do espaço em estudo tem um papel importante, perante os enviados do poder central, que têm o objectivo de captar uma memória oficial, através dos instrumentos de que o mesmo poder dispõe, o suporte escrito, que serve de base a essa memória do poder.
A memória das populações é oral, articula-se através de recordações e esquecimentos, e vai alimentar a oficial, que a usa segundo os seus propósitos. Existem obras de carácter geográfico, que são também um importante contributo para o estudo da fronteira onde o castelo de Noudar se insere. A raia alentejana, mais propriamente a parte do Baixo Guadiana, é um local que se inseriu dentro de contextos militares e diplomáticos que são intensos durante o século XIII, e onde se tentaram impor limites políticos, que se sobrepuseram aos naturais. A geografia cruzou-se com a história nesta área. Aqui formou-se uma região histórica, onde a criação de uma fronteira política medieval não terminou com redes de trocas comerciais, tipos de povoamento e estrutura agrária já existentes durante o período islâmico, que sobreviveram aos acontecimentos políticos peninsulares. Estamos também a falar de um espaço que, em termos de características físicas, tanto de um lado como do outro da fronteira entre os estados peninsulares, é muito semelhante. O espaço físico é importante na geografia histórica, no que toca ao estabelecimento de populações e suas actividades, e a questão da orografia e hidrografia são indicadores de limitações naturais entre regiões físicas, que podem posteriormente ser divididas por uma linha político-administrativa, pelo que estabelecemos a diferença entre a região física, que não é dividida por nenhuma decisão administrativa de nenhum centro organizador de uma sociedade, e a região de fronteira política, cujo limite do reino acaba numa linha de limitação político-administrativa entre dois reinos, mesmo que a geografia do terreno seja idêntica. A fronteira estabelecida pelo homem não é factor de separação de comunidades, é uma imposição do poder que o rege e ordena, pois as comunidades de ambos os lados da linha divisória têm a tendência de aproximação, podendo partilhar problemas semelhantes, como a interioridade, no caso português e castelhano.
As obras de geografia histórica têm então um papel importante, e existem várias que têm como objecto principal de estudo a questão da definição da fronteira luso-castelhana, através dos movimentos militares medievos no sudoeste da península, do entendimento da ocupação do espaço, e sua organização, com diversos centros polarizadores de populações. Estes centros são locais que contribuíram para a definição e organização de um espaço à sua volta, o seu termo, e que assumiram um papel importante na definição da margem esquerda do Guadiana como uma região com características específicas». In Hugo Miguel Pinto Calado, A Raia Alentejana Medieval e os Pólos de Defesa Militar, O Castelo de Noudar e a Defesa do Património Nacional, Tese de Mestrado em História Regional e Local, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, Departamento de História, 2007.
                                                                                                                      
Cortesia da UL/FL/DHistória/JDACT