sábado, 23 de novembro de 2019

O Último Teorema de Fermat. Simon Singh, «Muitos matemáticos tiveram carreiras brilhantes e curtas. No século XIX, o norueguês Niels Henrik Abel deu as suas maiores contribuições à matemática com a idade de 19 anos e morreu na pobreza, oito anos depois, vítima de tuberculose»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) O conferencista era Andrew Wiles, um inglês de poucas palavras que emigrara para os Estados Unidos na década de 1980. Assumira uma cadeira na Universidade de Princeton onde conquistara a reputação de ser um dos matemáticos mais talentosos da sua geração. Contudo, nos últimos anos, ele quase desaparecera da programação anual de seminários e conferências. Seus colegas começaram a pensar se Wiles não estaria acabado. Não era incomum mentes jovens e brilhantes entrarem em decadência ainda muito cedo, como comentou certa vez o matemático Alfred Adler: a vida de um matemático é muito curta. Seu trabalho raramente melhora depois da idade de 20 ou 30. Se ele não conseguiu muita coisa até essa idade, não vai conseguir mais nada. Os jovens devem provar teoremas, os velhos devem escrever livros, observou GH Hardy no seu livro Apologia do matemático. Nenhum matemático jamais deve se esquecer de que a matemática, mais do que qualquer outra ciência ou arte, é um jogo para jovens. Para citar um exemplo simples, a idade média de eleição para a Sociedade Real é mais baixa na matemática. O seu aluno mais brilhante, Srinivasa Ramanujan, foi eleito membro da Sociedade Real com a idade de 31 anos, tendo feito uma série de espantosas descobertas durante a sua juventude. Apesar de não ter recebido quase nenhuma educação formal no seu vilarejo de Kumbakonam, no sul da Índia, Ramanujan foi capaz de criar teoremas e soluções que tinham escapado à percepção dos matemáticos ocidentais. Na matemática a experiência que vem com a idade parece menos importante do que a intuição e o arrojo da juventude.
Muitos matemáticos tiveram carreiras brilhantes e curtas. No século XIX, o norueguês Niels Henrik Abel deu as suas maiores contribuições à matemática com a idade de 19 anos e morreu na pobreza, oito anos depois, vítima de tuberculose. A seu respeito, Charles Hermite comentou: ele deixou o suficiente para manter os matemáticos ocupados durante quinhentos anos. E é verdade que as descobertas de Abel ainda exercem uma profunda influência sobre os teóricos dos números nos dias de hoje. Um contemporâneo de Abel, o igualmente talentoso Évariste Galois, também realizou as suas descobertas quando era adolescente e morreu com apenas 21 anos.
Hardy comentou certa vez: eu não conheço nenhum avanço importante da matemática que tenha sido realizado por um homem de mais de 50 anos. Os matemáticos de meia-idade mergulham na obscuridade e ocupam os anos que lhes restam ensinando ou administrando e não fazendo pesquisas. Mas no caso de Andrew Wiles nada podia ser mais distante da verdade. Embora tivesse alcançado a idade avançada de 40 anos, ele passara os últimos sete trabalhando em segredo completo, tentando resolver o maior problema da matemática. Enquanto outros achavam que ele estava acabado, Wiles fazia progressos fantásticos, inventando novas técnicas e ferramentas, tudo que agora estava pronto para revelar. A sua decisão de trabalhar em isolamento total fora uma estratégia de alto risco, desconhecida no mundo da matemática.
Sem ter invenções para patentear, o departamento de matemática de uma universidade é o menos sigiloso de todos. A comunidade orgulha-se da livre troca de ideias, e a hora do chá, à tarde, se transforma num ritual diário onde as ideias são compartilhadas e exploradas sob o estímulo das xícaras de café ou chá. É cada vez mais comum a publicação de trabalhos por coautores ou mesmo equipas de matemáticos e, consequentemente, a glória é partilhada por todos. Entretanto, se o professor Wiles tinha conseguido realmente uma solução completa e precisa do Último Teorema de Fermat, então o prémio mais cobiçado da matemática era seu e somente seu. Mas ele devia pagar um preço por tal segredo: como não tinha debatido ou testado as suas ideias com a comunidade matemática, havia uma boa chance de que tivesse cometido algum erro fundamental». In Simon Singh, o Último Teorema de Fermat, 1997, Edição BestBolso, nº 367, Editora Record, 2011-2014, 978-857-799-462-5.

Cortesia de ERecord/JDACT