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«O
Mito é o nada que é tudo». In Fernando Pessoa
História concisa do mito de Portugal
«(…) A reconfiguração
do mito de Portugal operou-se a diversos níveis mentais numa sociedade
desfigurada pela morte do Estado Novo e em tentames de autoconhecimento. O
processo de descolonização, iniciado em 1974, não deixou de ser problemático,
tendo vacilado entre as soluções de independência progressiva para a
autodeterminação dos povos e de independência urgente e imediata. A prevalência
da segunda opção, em parte explicada pela guerra no Ultramar, iniciada em 1961,
e pela impaciência dos militares em regressar a Portugal, saldou-se no abandono
das províncias ultramarinas, deixou sem protecção centenas de milhares de
famílias portuguesas que viviam em África, afundou Angola e Moçambique na
miséria e na guerra civil e permitiu a invasão de potências estrangeiras, sendo
o mais dramático dos casos o de Timor-Leste, que viveu sob o jugo da Indonésia
durante mais de vinte anos (1975-1999) e em que parte significativa da
população conheceu o martírio colectivo do genocídio.
O mito de Portugal continuaria
ainda ou perduraria aquela sua parte responsável pela fabricação da imagem de
nós mesmos para nós mesmos e para o espelho do mundo. A exaltação do Portugal
revolucionário ecoou na metáfora libertadora e redentora de Abril como a revolução
dos cravos, flores saídas dos canos das espingardas caladas a anunciar tempo de
paz e ideias brancas, que ofuscaram aquela realidade nacional mais tenebrosa,
porque houve perseguição e excluídos, porque houve debandada das gentes de África,
porque houve o estigmatismo social dos retornados. Mas Portugal podia dar ao mundo
o paradigma da revolução exemplar, sem gemidos e sangue de guerra civil, como
deu. A revolução silenciosa, no alvor da democracia, substituiu-se a toda a
razão de necessidade: havia que lançar os povos na autodeterminação imediata; erro
profundo, cujas cicatrizes permanecem ainda hoje no rosto dos povos das antigas
colónias, que não estavam preparados, técnica, política e economicamente, para
realizar a independência sem a colaboração de Portugal e da Europa. A imagem de
Portugal, autor da maior descolonização nunca historicamente vista, acontecida
na madrugada de um único dia de Abril de 1974, impôr-se-ia com a saciedade da
sua própria justificação. Os últimos suspiros do império lembram a famosa frase
de El-Rei Sebastião I, nas areias de Quibir: morrer, mas devagar! Com a
independência da Guiné (1974), Cabo Verde (1975), São Tomé e Príncipe (1975), a
devolução, em finais de 1999, de Macau à República Popular da China, já há
muito perdidos o Brasil (1822) e a Índia Portuguesa (1961), ficou Portugal
reduzido ao rectângulo peninsular e aos arquipélagos da Madeira e Açores, as
últimas e as únicas jóias imperiais da Expansão Portuguesa.
Oficialmente, depois de
sucessivos suspiros entrecortados, o império morreu em 1999, à data da
transferência de Macau para a China, ou um pouco mais tarde, em 2002, quando
Portugal reconheceu Timor-Leste como Estado independente, liberto do poder indonésio
em 1999, data, afinal, curiosa pela coincidência com a de Macau, por propor-se
aos intérpretes da numerologia e do milenarismo. No fim do milénio anterior e
no início de um novo milénio, Portugal padeceu, de facto, o seu apocalipse. Já
distante a memória de Quibir, onde se deu a primeira morte para a ressurreição de
Portugal em 1640, de novo morto Portugal nas ilhas de Macau e Timor, que
ressurreição para este Portugal do insurrecto país da revolução dos cravos? Seria agora
o momento da instauração do tempo do não-tempo? A ucronia tornada possível? A
predição do porvir? Como restituir ao mito a verdade profética de um Vieira?
Como preencher o vazio de um Portugal, fitando-se a si no nada de si mesmo? No
epílogo do império, que lugar para o mito de Portugal, e no início do século
XXI? É muito cedo para tentar uma resposta, embora profeticamente se possa
dizer que o mito sempre permanecerá na identidade de cultura que o possui». In
Manuel Cândido Pimentel, O Mito de Portugal nas suas Raízes Culturais,
Wikipedia.
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