Cortesia
de wikipedia e jdact
Organização
de Eliane Robert Moraes
«(…) Sabemos
que corpos não são apenas corpos, uma substância natural sobre a qual projectamos
a nossa cultura; corpos são produzidos, performatizados, imaginados nas
práticas sociais em que se constituem. O corpo que fala pelo c…, goza peid…,
chupa os dedos dos pés, escolhe e acolhe diferentes parceiros em diferentes
posições e contextos é um corpo em transformação, em variação contínua, que os
poemas não representam, mas constituem, realocando a relação com o simbólico e
o imaginário.
Interessante notar
que é esse movimento fluido, de conexões distantes da cartilha sexual, que dá
força aos desenhos de Arthur Luiz Piza. Eles ilustram todo o livro, dando-lhe
unidade gráfica. Vemos ali corpos soltos, quase só o traço de um movimento (a
insinuação de um gesto, de um ritmo como nos poemas) cuja pouca determinação permite
que uma parte toque a outra, atravesse a outra, cubra-a, crie conexões inesperadas,
ambíguas, dando uma plasticidade extremamente erótica embora não exactamente
sexual na relação entre os corpos.
Mas se isso talvez
pareça um tanto relacionado apenas ao sujeito, como se o erótico dissesse
respeito tão somente aos modos de subjectivação, vale notar uma incrível subtileza
na construção da historicidade da antologia. Isso porque, longe de identificar
um lastro corporal imutável e as suas várias interpretações históricas, a
organizadora permite um fluxo de transformação contínua do erótico, algo
foucaultiano, sim, mas talvez um pouco além, pois vai identificando uma dupla
torção entre corpos que são produzidos pelos textos e textos reinventados pelos
corpos, algo que lembra o movimento proposto por Meschonnic ao falar de um
cruzamento simultâneo de uma forma de vida numa forma de linguagem e de uma
forma de linguagem numa forma de vida. O corpo dos poemas atribuídos ao nome de
Gregório Matos que abrem o livro, por exemplo, opera por um rebaixamento
satírico que se dá entre um ideal retórico-teológico-político-poético e as
murmurações de uma voz mundana, arrojadamente escritos dentro de uma tradição e
atravessados por musas que caga…, tes… pelo cheiro da mulher suja ou pelas
qualidades do […].
Vê-se, já pelos
nomes, que não se trata de uma representação do corpo natural mas de um jogo de
perspectivas que cruza duas normatividades, a cena retórica e a obscena entrada,
ainda que retórica, do corpo singular.
Ao longo do livro, veremos que isso que responde pelo erótico vai
criando relações diferentes entre corpo e linguagem (produzindo corpos e
linguagens!), como se dá, em seguida, no fluxo sóbrio das Cartas chilenas de
Gonzaga, endossando o sexo lascivo como parte do jogo de poder ou o chamado ao
coito pela fruição do tempo (o carpe
diem) em Marília de Dirceu.
Se dermos um salto, ao romantismo, isso fica ainda mais evidente, pois o
erótico envolto em medo e angústia instaura uma outra temporalidade e um outro
modo de afecção, fazendo do corpo o encontro impossível de normatividades
antagónicas como a urgência e a espera, o desejo e as determinações sociais.
Aqui, uma bela surpresa, ao lado de Fagundes Varella ou Álvares Azevedo, é
Laurindo Rabelo, como na construção que faz em torno do mote: pode apalpar,
pode ver/ das coxinhas pode usar/ por fora quanto quiser/ dentro não, que hei-de
gritar. Além de o lugar de fala ser transposto para a mulher, o que excita não
é o que se dá a ver, mas o espaço tenso entre o possível e o proibido, o
visível e o invisível e o campo fértil para o gozo imaginário. Não fales muito.
Uma palavra basta/ murmurada ao pé do ouvido […]. Fala-me só com o revólver dos
olhos. Espaço tenso e fatal, como todo o gozo, à beira da morte (o que ainda
mais excita): escondamo-nos um no seio do outro/ não há assim de nos avistar a
morte/ ou morreremos juntos, como em Junqueira Freire». In Roberto Zular, Resenha
de Antologia da Poesia Erótica Brasileira, Organização de Eliane Robert Moraes,
Revista Teresa de Literatura Brasileira, 2016, Wikipédia.
Cortesia de
TeresaRBLBrasileira/JDACT