sexta-feira, 8 de novembro de 2019

O Povoamento da Terra Bracarense durante o século X. Luís Carlos Amaral. «As cartas da época de Afonso III das Astúrias (866-911) surgem-nos, assim, como os primeiros testemunhos fidedignos…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«A partir das últimas décadas do século IX, com a instalação dos condes galaico-asturianos nas terras situadas entre o Minho e o Mondego, o processo de reorganização territorial conheceu um forte impulso. Este movimento acelerou a integração da região no conjunto da monarquia asturo-leonesa, e contribuiu para um apreciável desenvolvimento humano e material da sociedade do Noroeste hispânico. O aumento gradual do número de documentos escritos, ilustra de forma clara a multiplicação dos lugares povoados e dá testemunho bastante do dinamismo social do espaço bracarense. Deste modo, procurámos com o presente estudo caracterizar e explicar as grandes linhas que pautaram esse processo, ao longo do decisivo século X». In Resumo

Introdução
Desde os finais da década de sessenta do século IX, o território a sul do rio Minho converteu-se em cenário de uma profunda reorganização tutelada pelos representantes da monarquia asturiana. Os escassos diplomas que sobreviveram deste período noticiam a instalação dos condes e de outros senhores, e dão-nos conta, muito especialmente, do dinamismo socioeconómico que se vivia em certas zonas do Entre-Douro-e-Minho. Em vários casos os factos relatados pelos documentos permitem-nos entrever, com alguma segurança, realidades que já se vinham a desenvolver antes mesmo da chegada das autoridades nortenhas. Estes elementos, no entanto, são limitadíssimos e fragmentários e não autorizam estabelecer com exactidão um quadro geral. De qualquer maneira, é indiscutível que a instalação dos condes galaico-asturianos constituiu um momento de viragem e de aceleração do processo de reordenamento territorial, mesmo considerando que a historiografia tem propensão para valorizar muito esta fase, em larga medida fruto da inexistência de fontes documentais significativas para o período imediatamente anterior. As cartas da época de Afonso III das Astúrias (866-911) surgem-nos, assim, como os primeiros testemunhos fidedignos que nos permitem aproximar, se bem que de forma cautelosa e limitada, da sociedade e do espaço minhotos dos finais do século IX. Como o futuro se encarregou de demonstrar abundantemente, tratou-se de um processo efectivo de organização social do espaço, que, nas palavras de García Cortázar, se caracterizou por ser un combinado de control estratégico, instalación humana y aprovechamiento del territorio.
Antes ainda de passarmos ao tema principal que nos propusemos abordar, gostaríamos de esclarecer alguns problemas terminológicos e de metodologia. Se perguntarmos a qualquer medievalista peninsular, estudioso do período asturo-leonês, qual é o vocábulo que melhor define o povoamento do espaço cristão nesta época, estamos certos de que a resposta será unânime e dada sem hesitação: a villa. A omnipresença documental da villa como elemento determinante na descrição da paisagem e no enquadramento do património fundiário, constitui uma realidade desde há muito conhecida pelos investigadores e desde há muito, também, sublinhada pelo discurso historiográfico. Trata-se de uma estrutura amplamente discutida e estudada, pelo que, hoje em dia, muitos dos problemas e debates por ela suscitados começam a estar superados. De acordo com Carlos Ayala Martínez, esses debates desenvolveram-se em torno de três temas principais: a presumível ou suposta continuidade das villae romanas, especialmente nas regiões da Península mais influenciadas pela romanização; o problema do desajustamento e da não aplicabilidade dos modelos clássicos de descrição e interpretação do regime dominial do Norte da França à realidade peninsular; e, finalmente, a longa e discutida questão da polissemia da palavra villa, sobretudo quando se pretende definir os critérios que permitem distinguir as villae que eram simples explorações agrícolas, daquelas que já se tinham constituído em embrionárias aldeias. Em relação às duas primeiras questões, mesmo não dispondo ainda de respostas conclusivas, nomeadamente do ponto de vista teórico, a verdade é que a historiografia peninsular mais recente já não se sente tão obrigada a tomá-las como pontos de partida incontornáveis para o estudo dos seus objectos de âmbito local e regional. O mesmo já não se pode dizer no que respeita ao terceiro problema». In Luís Carlos Amaral, O Povoamento da Terra Bracarense durante o século X, Revista da Faculdade de Letras, História, Porto, III Série, volume 10, 2009.

Cortesia de RFLetras/Porto/JDACT