segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Lucrécia Borgia. Jean Plaidy. «Era uma mulher de sorte por se ter tornado tão querida para ele, porque ele era um homem que precisava de muitas amantes; mas ela era a principal, o que por si só era como que um milagre, já que ela não era mais jovem»

Cortesia de wikipedia e jdact

O nascimento de Lucrécia
«Fazia frio no castelo, e a mulher que estava à janela olhando dos topos nevados das montanhas para o mosteiro lá em baixo pensou, com saudade, no conforto da sua casa na Piazza Pizzo di Merlo, a noventa e seis quilómetros de Roma. No entanto, estava contente por estar ali, porque Rodrigo queria que o filho deles nascesse no seu castelo na montanha; e ela não podia sentir outra coisa que não prazer por ele se importar tanto assim. A mulher deu as costas para a majestosa vista e correu os olhos pelo quarto. A cama estava convidativa, porque as dores estavam ficando mais frequentes. Ela esperava que fosse um menino, já que Rodrigo poderia fazer muito mais por um menino do que por uma menina. Ela já dera a ele três belos meninos, e ele era louco por eles, em especial, acreditava ela, por César e Giovanni; mas isso porque Pedro Luís, o mais velho, tinha sido mandado para o exterior. Era triste perdê-lo, mas o futuro que ele teria era maravilhoso: educação na corte espanhola, onde iria receber o ducado de Gandia. E haveria oportunidades igualmente valiosas para os outros, para César, para Giovanni e para o filho que ainda não nascera. As damas estavam andando de um lado para o outro por perto dela. A senhora devia deitar-se, aconselhavam, porque não havia dúvida de que a criança nasceria em breve. Ela sorriu, limpando o suor da testa, e permitiu que elas a ajudassem a ir para a cama. Uma delas tocou-lhe a testa com unguento de perfume doce, que era frio e refrescante; uma outra levou-lhe aos lábios uma taça de vinho. Aquelas mulheres estavam ansiosas por servirem Vannozza Catanei, porque ela era adorada por Rodrigo Bórgia, um dos maiores cardeais de Roma.
Era uma mulher de sorte por se ter tornado tão querida para ele, porque ele era um homem que precisava de muitas amantes; mas ela era a principal, o que por si só era como que um milagre, já que ela não era mais jovem. Quando uma mulher estava com trinta e oito anos, precisava ser mesmo atraente para manter a atenção de um homem como o cardeal Rodrigo Bórgia. No entanto, ela conseguira; e se havia momentos em que se perguntava se ele ia mais para ver os filhos e não para fazer amor com ela, o que importava? Filhos como Pedro Luís, César e Giovanni podiam estabelecer um vínculo mais forte do que a paixão; e se, no futuro, houvesse mulheres mais jovens e mais bonitas para cativá-lo, ela ainda seria aquela que lhe dera os filhos favoritos. Por isso, ela ficaria contente, quando as dores acabassem e a criança nascesse; estava certa de que o bebé seria saudável e bonito; todos os seus filhos o eram. Todos tinham herdado a sua beleza loura, e ela esperava que o novo filho também a herdasse, pois aquilo deixava o pai encantado. De modo que ela devia sentir-se satisfeita por ele ter insistido para levá-la para o castelo dele em Subiaco, muito embora a viagem tivesse sido longa e enfadonha e o vento fosse violento nos Apeninos. Ele queria que ela tivesse o filho no seu palácio, e queria estar perto dela quando ele nascesse. Isso teria sido menos simples de realizar em Roma, porque no final das contas Rodrigo era um homem da Igreja, que jurara o celibato, e ali na fortaleza das montanhas do castelo de Subiaco ele poderia dar vazas à sua alegria com maior tranquilidade. Assim, ela se acalmaria enquanto esperava, pensando na sua bela casa na Piazza Pizzo di Merlo, na qual, devido à generosidade de Rodrigo, vivia com muito conforto. Ela adorava o bairro da Ponte, onde sempre aconteciam tantas coisas. Era um dos bairros mais populares da cidade, e havia comerciantes e banqueiros em abundância. Era frequentado pelos mais notórios e prósperos cortesãos e dominado pela nobre família Orsini, que tinha o seu palácio no Monte Giordano e cujo castelo, Torre di None, fazia parte do muro da cidade.
Não que Vannozza se considerasse uma cortesã. Era fiel a Rodrigo e considerava-o seu marido, embora, é claro, soubesse que ele, por ser um cardeal, não podia casar-se, e que se tivesse podido fazê-lo teria de procurar uma esposa numa camada diferente da sociedade. Mas se Rodrigo não podia casar-se com ela, vinha sendo tão atencioso quanto qualquer marido. Rodrigo, pensou Vannozza, era sem dúvida alguma o homem mais charmoso de Roma. Ela não acreditava que fosse a única a pensar assim, embora um homem como Rodrigo devesse ter os seus inimigos. Ele nascera para ser um homem distinto; os seus olhos estavam fixos num certo objectivo, o papado, e quem conhecia bem Rodrigo achava que ele tinha uma excelente oportunidade de realizar a sua ambição. Ninguém devia deixar-se enganar por aqueles modos graciosos, aquela voz encantadoramente musical, aquela cortesia atraente; eles faziam parte de Rodrigo, era verdade, mas por baixo do encanto estava uma ambição abrasadora que certamente iria levá-lo até ao ponto que ele pretendia. Rodrigo era um homem que Vannozza podia adorar, porque tinha todas as qualidades que ela mais admirava». In Jean Plaidy, Lucrécia Borgia, Edição Record, 1996, ISBN 978-850-104-410-5.

Cortesia de ERecord/JDACT