segunda-feira, 4 de novembro de 2019

As Memórias de Cleópatra. Margaret George. «A minha ama me contou que, em Roma, as mulheres e as crianças ficavam relegadas a sentar em bancos, mas aqui nem a rainha…»

Cortesia de wikipedia e jdact

A Filha de Isis
O primeiro pergaminho. Calor. Vento
«(…) Acreditamos que esta idade é o portão do entendimento..., diplomaticamente, ele indicou que as mesas do banquete estavam à espera no salão ao lado, quase das mesmas proporções, e encaminhou o general romano naquela direcção. Ao meu lado, as minhas irmãs mais velhas sorriam debochadamente. Pareciam divertir-se com o meu embaraço. Que criança encantadora!, disse Berenice, imitando Pompeu. Olhe, tem mais um, a Cleópatra mais velha falou, indicando um menino que nos olhava. O banquete está virando uma festa infantil. Fiquei surpresa de vê-lo e me perguntei qual a razão da sua presença ali. Ele me pareceu totalmente fora de lugar. Será que Pompeu pararia e faria algum comentário sobre ele também? Por sorte ele pareceu mais interessado em chegar até à mesa no salão adjacente. Todo o mundo diz que os romanos são comilões. O menino, que estava vestido em trajes gregos e segurando a mão de um homem de barba com aparência grega, devia ser um alexandrino. Estava observando-nos da mesma maneira que eu observara os romanos. Talvez fôssemos uma curiosidade para ele. Nossa família não aparecia muito em público nas ruas de Alexandria por receio aos tumultos. Passamos devagar e, eu esperava, majestosamente por ele e entrámos no salão transformado para o nosso banquete. Alguns raios teimosos do sol de fim de tarde atravessavam quase que horizontalmente o salão, no exacto nível das mesas, em que uma floresta de copos e pratos de ouro nos esperava. Para mim parecia mágica o jeito que estavam iluminados, e também para os romanos, porque todos sorriam e apontavam. Apontavam! Que falta de etiqueta! Mas..., fui avisada que isto era de se esperar. Pompeu e os seus acompanhantes não apontavam. Ele nem mesmo parecia interessado; e, se estava, escondeu muito bem. Tomámos os nossos lugares; todos os adultos se inclinariam em divãs, com apenas os menos privilegiados tomando lugar nos bancos, e parecia haver menos dos que não eram privilegiados. A minha ama me contou que, em Roma, as mulheres e as crianças ficavam relegadas a sentar em bancos, mas aqui nem a rainha nem as princesas mais velhas tolerariam isto. Tentei contar quantos divãs eram precisos para mil pessoas se reclinarem e cheguei à quantia de trezentos, mesmo assim cabiam neste salão impressionante, com espaço livre para os servidores passarem entre eles com as bandejas e os pratos. Meu pai indicou um banco para mim, enquanto Pompeu e a sua comitiva se acomodaram em divãs reservados para os mais altos escalões. Seria eu a única a sentar-me num banco? Seria como carregar um aviso no peito chamando a atenção para mim. Fiquei olhando a minha madrasta e irmãs se acomodarem num divã, caprichosamente arrumando os trajes e cruzando os pés. Como desejei ser um pouco mais velha só para me sentar num sofá também! Senti-me tão à vista que não sabia como conseguiria sobreviver à refeição inteira. Naquele momento, meu pai deu ordens para que o homem de barba e o menino se juntassem a nós; vi quando ele enviou alguém com as ordens. Sabia que estava fazendo isto para diminuir o meu embaraço; era do seu carácter perceber a aflição dos outros, mesmo antes que fosse expressa. Meu caro Meleagros, o pai falou para o homem. Porque não se senta onde possa aprender o que desejar? O homem inclinou-se, aceitando o convite, imperturbado em ter sido convidado para o lugar mais proeminente no banquete. Devia ser um filósofo; filósofos viam o mundo com equanimidade. E é claro que a barba confirmava este facto. Ele puxou o seu filho para a frente, e um banco foi colocado para ele. Agora, éramos dois. Acho que o pai pensou que isto faria as coisas mais fáceis. Na verdade, serviu para atrair mais atenção. Meleagros é um de nossos sábios, explicou meu pai. Ele reside no... No Museion, disse um romano de rosto quadrado. É onde vocês guardam os sábios inofensivos e os cientistas, não é mesmo?» In Margaret George, As Memórias de Cleópatra, 1997, tradução de Lídia Zanon, Geração Editorial, 2000-2001, Edições Chá das Cinco, 2007, IBSN- 978-989-803-200-3.

Cortesia de GEditorial/ECdasCinco/JDACT