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Rio de Janeiro. Lisboa
«Um
dia você
adora
meus óculos
adoro
os teus óculos
no dia
seguinte
não
quero que venhas na fazenda
três
dias antes
você ia
adorar este lugar
você
quer vir até à fazenda?
um dia
eu rasgo
o
tecido celular do rosto
realizo
um sorriso constante
que
atravessa o morro
o ponto
mágico do morro
rasgão
alegre que fulmina
o veio
mínimo da folha
de
amendoeira
e pelo
feixe de luz tropiquente
vai
parar na cara de João
vendedor
de suco no leblon
em
ricochete João grita açaí!
qualquer
dia eu vou e chego
No
outro dia
a
cidade se aborrece
desdignificada
pela
gigante
roleta
que se
chama medo
o urubu
fica empoleirado
na
trave enferrujada
daquilo
que já foi suporte
ao
cartaz que anunciava
o
novo mundo das piscinas
fosforescentes
o pássaro
suspenso
olhando
a via rápida
e
catando caca
debaixo
da unha
temendo
o gira girar
da
pequena roda
que
circula sorte e azar
um dia
você
escreve
para seus pais
falando
sobre o amor
quarenta
dias depois
teus
pais te escrevem
falando
sobre redes de pesca
e o
perigo das redes de pesca
um dia
você me envia uma carta
depois
a outra
o
rasgão explode
recordando
ainda outra carta
de
alguns meses antes
o
postal eterno que dizia
still
crazy (after all
these
years)
faço
voto de silêncio
mas na
sacralização
horária
das avenidas
eu
penso que você
sua mãe
e seu pai
conversam
muito
sobre
peixes
e que
isso mantém quieta
a
roleta negra
e que
isso mantém aparada
a
unha do urubu
e que
isso faz homenagem
a João
e à fruta espessa
que
brilha vermelha
em cada
copo de minha cidade
um dia
você diz que me a…
eu a…-te
no dia
seguinte
a
amendoeira se expande
e
floresce cinco folhas mais
nesse
dia reparo
que
estamos contribuindo
você e
eu
para o
florestamento
da
cidade
de duas
cidades
faço
voto de silêncio
mas na
sacralização horária
da
respiração eu penso
que
apesar da sala de casino
abrigo
da gigante roleta do medo
apesar
dos golpes de gmt -3
apesar
da fita de seda que fica
ondulando
sua medida de 7 800 km
estamos
dando utilidade ao amor
alargando
os braços das amendoeiras
alargando
os braços dos jacarandás
partindo
as inúteis linhas de fronteira
e
fazendo do mundo
a
gigante floresta».
In
Matilde Campilho, Jóquei, Coordenador da colecção Pedro Mexia, Lisboa, Edições
Tinta-da-China, 2014, ISBN 978-989-671-213-6.
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