terça-feira, 5 de novembro de 2019

Pantaleão e as Visitadoras. Mario Vargas Llosa. «O soutien, as meias, transpira, deita, se encolhe, se estica Pantita. O Tigre tinha razão: a humidade morna, a gente respira fogo, o sangue ferve»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Você passou todos estes dias feito um idiota, põe os óculos escuros, tira o casaco Pochita. Não falava nada, ficava sonhando de olhos abertos. Ai, que inferno. Nunca vi você tão mudado, Panta. Eu estava um pouco preocupado com o meu novo destino, mas já passou, tira a carteira, dá umas notas ao motorista Panta. Sim, chefe, número 549, o Hotel Lima. Espere, mãe, eu ajudo você a descer. Você é militar, não é?, joga a bolsa de viagem numa cadeira, tira os sapatos Pochita. Sabia que podia ser mandado para qualquer lugar. Iquitos não é nada mau, Panta, não está vendo que parece um lugar simpático? Tem razão, estou comportando-me feito um bobo, abre o armário, pendura um uniforme, um casaco Panta. Devia estar acostumado demais com Chiclayo; palavra de honra que já passou. Bem, vamos abrir as malas. Que calorzinho, não é, chola? Por mim, passaria a vida dentro do hotel, deita de costas na cama, se espreguiça Pochita. Aqui fazem tudo por você, não é preciso se preocupar com nada. E seria adequado receber o cadete Pantoja num hotelzinho?, tira a gravata, a camisa Panta. O cadete Pantoja?, abre os olhos, desabotoa a blusa, apoia um cotovelo no travesseiro Pochita. Sério? Já podemos encomendar, Pantita? Não prometi que seria quando chegasse o terceiro galão?, estica, dobra e pendura a calça Panta. Vai ser loretano, que coisa. Maravilhoso, Panta, ri, aplaude, toma impulso no colchão Pochita. Ai, que felicidade, o cadetinho, Pantita Júnior. Temos que encomendar o quanto antes, abre e estica as mãos Panta. Para que chegue rapidinho. Venha, chola, não fuja. Espere, espere, o que é isso?, salta da cama, corre para o banheiro Pochita. Ficou maluco? Vamos, vamos, o cadetinho, tropeça numa mala, derruba uma cadeira Panta. Vamos encomendar agora mesmo. Vamos, Pochita. Mas são 11 da manhã, acabamos de chegar, gesticula, afasta, empurra, fica zangada Pochita. Solte, a sua mãe vai-nos ouvir, Panta. Para estrear Iquitos, para estrear o hotel, ofega, luta, abraça, escorrega Pantita. Venha, amorzinho. Veja só o que ganhou com tanta denúncia e tanto comunicado, brande um ofício repleto de carimbos e assinaturas o general Scavino. O senhor também tem culpa disso, comandante Beltrán: veja o que esse sujeito veio organizar em Iquitos. Vai rasgar a minha saia, protege-se atrás do armário, joga um travesseiro, pede paz Pochita. Não o estou reconhecendo, Panta, sempre tão educadinho, o que há com você. Deixe, eu tiro. Queria curar um mal, não causar, lê e relê a cara compungida do comandante Beltrán. Nunca imaginei que o remédio seria pior que a doença, general. É inconcebível, iníquo. Vai permitir esse horror? O soutien, as meias, transpira, deita, se encolhe, se estica Pantita. O Tigre tinha razão: a humidade morna, a gente respira fogo, o sangue ferve. Vem, me belisque onde eu gosto. A orelhinha, Pocha. Sinto vergonha assim de dia, Panta, reclama, se enrola na colcha, suspira Pochita. Você vai adormecer, não tem que estar no Comando às três? Acaba sempre adormecendo. Tomo uma chuveirada, se ajoelha, se dobra, se desdobra Pantita. Não fale nada, não me distraia. Belisque minha orelhinha. Assim, assim. Ai, já sinto que vou desmaiar, chola, já nem sei quem sou. Sei muito bem quem você é e para que veio a Iquitos, resmunga o general Roger Scavino. E, de cara, quero logo dizer que não estou nem um pouco feliz com a sua presença nesta cidade. Gosto das coisas claras desde o começo, capitão. Desculpe, general, balbucia o capitão Pantoja. Deve haver algum mal-entendido. Não estou de acordo com o serviço que o senhor vem organizar, aproxima a careca do ventilador e abaixa os olhos por um instante o general Scavino. Eu me opus a ele desde o começo e continuo pensando que é uma barbaridade. E, acima de tudo, uma imoralidade sem nome, se abana com fúria o padre Beltrán. O comandante e eu não dissemos nada porque os superiores mandam, desdobra o seu lenço e enxuga o suor da testa, das têmporas, do pescoço o general Scavino. Mas não nos convenceram, capitão. Eu não tenho nada a ver com esse projecto, general, transpira imóvel o capitão Pantoja. Foi a maior surpresa da minha vida quando me comunicaram, padre. Comandante, corrige o padre Beltrán». In Mario Vargas Llosa, Pantaleão e as Visitadoras, 1974, Editora Objectiva, Alfaguara, Prisa Edições, ePub, 2012, ISBN 978-857-962-175-8.

Cortesia de Alfaguara/JDACT