sábado, 30 de novembro de 2019

Os Sonetos. William Shakespeare. António Simões e M. Gomes Torre. «Que balanço aceitável podes tu deixar? Tua beleza não partilhada contigo vai para a cova. Mas se o for, em teu herdeiro se renova»

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IV
«Porque gastas, meu generoso esbanjador,
Só contigo, a herança da tua beleza?
Generosa, só dá a quem generoso for,
Apenas empresta, nada nos dá a natureza,
Assim, belo avarento, porque é que abusas
Da beleza a ti dada para ser transmitida?
Usurário sem lucros, porque é que usas
Tão grandes somas, mas renuncias à vida?
Por só contigo próprio negócios consentires.
E teu doce eu que estás a enganar;
Assim, ao dizer-te a Natureza que é hora de te ires.
Que balanço aceitável podes tu deixar?
Tua beleza não partilhada contigo vai para a cova.
Mas se o for, em teu herdeiro se renova.

V
«Essas horas que moldaram gentilmente
O belo rosto onde todo o olhar se demora.
Para o rosto serão um tirano inclemente,
Desfeando o que tudo em beleza excede agora.
Pois o Tempo, que não para, conduz o Verão
Ao terrível Inverno que o reduz a nada,
O frio congela a seiva, as folhas cairão,
A neve esconde a beleza da terra desolada.
Se a destilação do Verão não fosse feita.
Prisioneira líquida num frasco de vidro.
A acção da beleza seria desfeita.
A memória de tudo ter-se-ia perdido,
Flores destiladas sobrevivem ao Inverno:
No perfume que fica, seu ser vive eterno».
[…]
In William Shakespeare, Os Sonetos, 1609, tradução de António Simões e M. Gomes Torre, Relógio d’Água Editores, 2019, ISBN 978-989-641-926-4.

Cortesia de Relógiod’ÁguaEditores/JDACT