quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Monacato Feminino e Domínio Rural. O Património do Mosteiro de Santa Maria de Almoster no século XIV. José Manuel H Varandas. «É a aristocracia um dos grupos sociais mais afectados por estes tempos de crise. A constante atracção que os núcleos urbanos…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) É do senso comum afirmarmos que os séculos finais da Idade Média se caracterizaram por uma profunda e generalizada crise. As sucessivas análises feitas sobre os documentos sugerem, embora não de forma pacífica, que o problema fundamental radica numa grave crise de crescimento, sujeita a constantes reajustamentos demográficos e reordenações do processo produtivo, que arrastam consigo modificações profundas nos vários grupos sociais, muitas vezes desenvolvidas de forma violenta e que desorganizam por completo o tradicional modelo político-económico dos séculos anteriores. O século XIV conhece fortes contracções demográficas que, aliadas à consolidação das estruturas urbanas directamente vocacionadas para um modelo de economia de mercado, condicionam, de forma definitiva, o velho mundo rural. É a aristocracia um dos grupos sociais mais afectados por estes tempos de crise. A constante atracção que os núcleos urbanos exercem sobre os trabalhadores rurais provoca um exaurir de forças no trabalho da terra. Os campos dos nobres vão-se despovoando, abandonando estes a constante luta pelo arroteamento, garantia do aumento da produção. Com toda a indiferença, como só a natureza é capaz, observa-se a vingança do saltus sobre o ager. A mancha de terras, arduamente domesticadas ao longo de todo o século XIII, vai sendo paulatinamente consumida pelos matos daninhos, afastado que está agora o seu supremo predador: o Homem. Este abandono dos espaços aráveis precipita a queda dos rendimentos, debilitando os senhorios, especialmente os eclesiásticos que, não poucas vezes, procuram o subsídio régio. O que aliás Almoster faz amiúde encontrando quase sempre um apoio do monarca, gerador de desconforto nas duas comunidades vicinais mais próximas: Alenquer e Santarém.
O desenvolvimento do senhorialismo e das estruturas municipais precipita, nestes finais do mundo medievo, uma rápida cristalização da organização social do espaço rural. Privilégios e formas de dependência são cada vez mais complexos, condicionando os homens e hierarquizando os espaços. Os homens dos núcleos urbanos, fossem do rei, da nobreza ou do clero, possuem cada vez mais o poder de intervir e condicionar a realidade campesina. Em Portugal são as décadas de trinta e quarenta que tornam visíveis os sintomas da crise. A grande pestilência que começa em 1348 e se prolonga até aos primeiros meses do ano seguinte, teve o especial condão de acelerar a mortalidade por todo o nosso País. Não é, todavia, o único agente. Deve ser associada a frequentes surtos de peste surgidos regularmente até ao fim do século XIV. As guerras contra Castela e desequilíbrios climáticos e ecológicos, que afectaram de forma traumatizante toda a Europa cristã, são outras variáveis a ter em conta no diagnóstico da crise.
O mosteiro de Almoster é um destes senhorios afectados pela crise que durante todo o século XIV se abate sobre Portugal procuram formas e processos de subsistência que lhe permitam lutar contra esta fase de retracção. Visando ser um estudo sobre a propriedade da casa monacal de Almoster, desde o período da sua formação até aos primeiros tempos do reinado de João I, este trabalho não pode, obviamente, ser encarado como uma monografia total sobre a importância daquele mosteiro medieval, nem sequer, como uma aproximação a tal objectivo. Tal facto, contudo, não impede que os resultados obtidos, sirvam como indicadores para um conhecimento, que apesar de relativo, nos pode permitir sondar os aspectos de uma realidade que se prevê mais complexa. Mas, importa sublinhá-lo, as nossas fontes assentam essencialmente no espólio do cartório de Almoster. Esta especificidade que, ainda por cima, incide num processo conjuntural de grande crise a nível geral, correspondente a uma época de grande convulsão e de decadência dos padrões tradicionais do modelo medieval, faz com que a nossa visão corra o risco de se tornar unilateral, face à complexidade da sociedade portuguesa dos finais da Idade Média». In José Manuel H Varandas, Monacato Feminino e Domínio Rural, O Património do Mosteiro de Santa Maria de Almoster no século XIV, 1995, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Wikipédia.

Cortesia de FLetras/ULisboa/JDACT