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Uma
carta escrita pela minha mão
«(…)
Pouco depois de Silveira ter partido para Nápoles, o marquês de Villena teve conhecimento,
através dos seus espiões na corte da rainha consorte de Castela, que o rei fora
visitá-la a Madrigal e que tudo apontava que esse encontro tinha como desejo o de
a sua mulher lhe poder dar outro filho varão. Já com vinte e cinco anos de idade,
o príncipe das Astúrias não só não tinha descendência como também, além disso, se
encontrava definitivamente separado de uma esposa com a qual nem sequer pudera
consumar o matrimónio. Em finais de Julho de 1450, as donzelas da rainha Isabel
de Portugal souberam que a sua senhora tinha por fim engravidado, depois de decorridos
quase quatro intermináveis anos. Um mês mais tarde, exactamente a 28 de Agosto de
1450, o rei de Aragão escreveu, de Nápoles, ao imperador Frederico para lhe
comunicar que o embaixador português chegara àquela cidade havia três dias e que
ali aguardava a chegada da delegação imperial para ultimar os pormenores da
boda da infanta Leonor. Após três meses de negociações, seria assinado, em Nápoles,
o contrato de casamento da infanta Leonor de Portugal com Frederico de Habsburgo,
na presença do rei Alfonso V de Aragão e do embaixador português, Silveira. O documento
estipulava, entre outras coisas, que o matrimónio se realizaria nos seguintes seis
meses, que a infanta partiria de Portugal rumo a Itália, por mar, até um porto compreendido
entre o da cidade de Pisa e o de Nápoles, que o acontecimento seria comunicado aos
portugueses no momento adequado, e que o dote de Leonor, a pagar pelo seu irmão,
consistiria em sessenta mil florins de ouro, cinquenta dos quais deviam ser entregues
em Flandres ou Florença nos quinze dias subsequentes à consumação do matrimónio.
Frederico,
por seu turno, entregaria a Leonor a mesma quantia, na qualidade de doação propter
nupcias, segundo o costume alemão. A infanta deveria deixar Lisboa antes de
1 de Novembro de 1451 e a viagem seria paga pelo seu irmão, deduzidos dez mil florins
do dote. Por parte do imperador, estes trâmites tinham sido apresentados magistralmente
pelo seu secretário, o cardeal Eneas Silvio Piccolomini, bispo de Siena e futuro
papa Pio II; o futuro transmissor, através das suas Memórias, de um método
provavelmente utilizado pelos médicos de Enrique para que dona Joana ficasse
grávida de um marido impotente. Poucos dias depois da assinatura daquele
documento, o rei Alfonso V de Aragão dirigiu-se por carta à infanta Leonor de Portugal
para lhe comunicar que a negociação do seu matrimónio com Frederico chegara a bom
porto e também que lera a missiva na qual ela o informava sobre a saúde do seu irmão
Afonso. Carta que Leonor lhe enviara através do embaixador Fernandes Silveira. É
muito provável que a infanta Joana tivesse lido com grande atenção a carta do seu
tio à sua irmã. A 18 de Janeiro de 1451, o Magnânimo enviou outra carta para
Portugal, dirigida à muito ilustre infanta dona Catarina de Portugal, nossa muito
cara e amada sobrinha e à muito ilustre infanta dona Joana de Portugal, nossa muito
cara e amada sobrinha, mas cujo conteúdo era na realidade exclusivamente dirigido
à infanta Joana; a quem dizia: a vossa carta recebemos, da qual tivemos muito
grande prazer, como aquele com que muito caramente vos amamos e prezamos [e], à
qual vos respondemos que de muito boa disposição e vontade queremos ter na nossa
memória por bem encomendada e faremos por vós como pela nossa boa sobrinha e filha.
E assim como tivemos em memória de colocar em alto e honrado matrimónio a ilustríssima
infanta dona Leonor, vossa irmã, assim teremos em memória a vós, quando o caso
será. E disto podeis estar em boa esperança.
É o único
caso que conhecemos, numa série quase milenar de infantas hispânicas, de uma carta
escrita por uma de onze anos para solicitar a um parente régio que se interessasse
pelo seu futuro matrimonial. Este facto permite-nos supor que a carta por ela
escrita à esposa do tio, quando tinha seis anos e meio, a pedir a sua ajuda
para atender às necessidades dos servidores portogalesos da mãe em Toledo,
talvez não tenha sido alheia à sua espontânea vontade, e é inclusivamente possível
que tenha sido escrita pela sua própria mão. Apesar do desaparecimento da maior
parte dos documentos assinados por dona Joana de Portugal ao longo da sua agitada
vida, há provas de que foi uma grande escritora de cartas e de que, quase
sempre que o fazia, gostava de precisar com a afectação de senhora culta daqueles
tempos que se tratava de uma carta escrita pela minha mão. Como a carta da
infanta Joana enviada ao seu tio napolitano também desapareceu, lamentavelmente
não nos é possível saber se o seu desejo seria o de que ele acelerasse o seu casamento
com o príncipe das Astúrias». In A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o
Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, Marsilio
Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.
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