Cortesia
de wikipedia e jdact
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Construído sobre essa base, este livro é recomendado como um trabalho que há-de
proporcionar uma lição em cada um de seus incidentes; e poderá extrair dele
referências justas e religiosas que lhe valerão boa instrução, se lhe aprouver
fazer uso delas. Todas as acções dessa dama famosa e suas malfeitorias contra a
humanidade são avisos para que as pessoas honestas se acautelem contra elas,
pois mostram os métodos utilizados para atrair, saquear e roubar os inocentes
e, portanto, a forma de evitá-los; a maneira como ela rouba o colar de uma
menina inocente, enfeitada pela vaidade da mãe para a aula de dança, representa
uma boa advertência para essas pessoas, como também o roubo do relógio de ouro
da jovenzinha no parque. O golpe aplicado a uma criada de pouco siso, na
central de coches da rua St. John, que entrega a Moll um embrulho da sua
patroa, o furto cometido no incêndio e a repetição do feito em Harwich são
excelentes advertências para que, em casos análogos, estejamos mais atentos a
imprevistos de toda sorte. Sua dedicação final a uma vida mais sóbria e laboriosa
na Virgínia, ao lado do seu marido deportado, é instrutiva exposição para todas
aquelas criaturas infelizes que se veem forçadas a refazer a vida no
estrangeiro, seja pela desgraça da deportação ou por outra calamidade qualquer,
ensinando-lhes que o trabalho e a diligência têm a sua devida recompensa, mesmo
nos mais remotos sítios do mundo, e que nenhuma situação pode ser tão baixa,
desprezível e destituída de perspectivas a ponto de impedir que o trabalho
incansável contribua em muito para tirar-nos dessa condição e, com o tempo,
erguer a criatura mais ínfima para que possa voltar a conviver com pessoas
respeitáveis e dar-lhe nova oportunidade na vida. Essas são algumas das lições
profundas. Restam ainda para vir à luz duas histórias belíssimas, das quais a
presente narrativa, sem entrar em detalhes, dá uma breve ideia, mas que são
demasiado longas para ser incluídas no mesmo tomo; realmente, posso dizer que
ambas constituem, por si só, um volume inteiro: primeiro, a vida de sua
preceptora, como ela a chama, que, segundo parece, no decurso de poucos anos
percorreu os degraus de dama, prostituta e alcoviteira; parteira, envolvida com
penhores, traficante de menores, mestra de ladrões e receptora de objectos
roubados, ou seja, em poucas palavras, sendo ela própria uma ladra, foi
formadora de ladrões e actividades assemelhadas e, apesar de tudo, tornou-se
por fim uma penitente. A segunda história é a vida do seu marido deportado, um
salteador de estradas, que, segundo parece, durante doze anos se dedicou, com
êxito, a cometer vilanias nas estradas, por fim saiu-se bem, como deportado
voluntário, e não como condenado, e cuja vida é de incrível variedade; no
entanto, como já disse, essas duas histórias são demasiado extensas para serem
narradas aqui, nem posso prometer que saiam mais adiante. Na realidade, não
podemos dizer que esta história chegue até ao fim da vida da famosa Moll
Flanders, como ela mesma se chama, uma vez que ninguém pode contar a própria
vida até ao fim, a menos que possa escrever depois da morte; mas a vida do seu
marido, escrita por uma terceira pessoa, constitui uma narrativa completa dos
dois, relatando o tempo em que viveram juntos na América e de como voltaram
para a Inglaterra, após cerca de oito anos, período em que acumularam grande
fortuna, e onde ela viveu, ao que parece, até idade muito avançada, mas sem ser
uma penitente tão contrita como foi de início, segundo consta, ela apenas
continuou falando sempre com horror de todos os episódios de sua vida passada. Muitos
episódios agradáveis ocorreram na última fase de sua vida, nas colónias de
Maryland e Virgínia, tornando muito alegre esse trecho da sua vida; não sendo
narrados com a mesma elegância daqueles que ela mesma arrolou.
As
venturas e desventuras da famosa Moll Flanders
Meu
nome verdadeiro é tão mencionado nos registos e anais de Newgate, e também nos
de Old Bailey, onde ainda se acham pendentes certas questões importantes
referentes à minha conduta pessoal, que não é de esperar que eu o mencione, nem
que narre aqui a história da minha família; depois da minha morte talvez ele
seja divulgado, mas agora não seria conveniente, nem mesmo caso se concedesse
uma amnistia geral que não fizesse excepção ou ressalva alguma quanto a pessoas
ou crimes. Portanto, bastará dizer que, tal como alguns dos meus piores
companheiros, que já não estão em condições de me prejudicar por haverem
deixado este mundo pelos degraus e pela corda, sina que muitas vezes julguei
seria também a minha, as pessoas me conheciam pelo nome de Moll Flanders, e é
assim que lhes peço que me permitam nomear-me até eu me atrever a declarar quem
fui e quem sou». In Daniel Defoe, Moll Flanders, 1722, A vida Amorosa de Moll Flanders, Publicações
Europa América, 1998, ISBN 978-972-104-443-2.
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