jdact
«(…)
Tinham mais de dezasseis mil estudantes e recebiam mais de trinta mil candidaturas
de admissão todos os anos. Alguns dos candidatos eram eliminados sumariamente por
insuficiência de notas, mas à medida que o número de possíveis candidatos a admissão
ia diminuindo, Brigitte concentrava-se mais no processo de selecção. Era muito meticulosa
com tudo o que fazia. Ainda não tinha o doutoramento, embora continuasse a trabalhar
nesse sentido, fazendo uma cadeira ou duas todos os semestres. Com trinta e oito
anos, sentia-se satisfeita com a sua vida. Havia sete anos que trabalhava num livro.
Queria que fosse um trabalho marcante sobre o tema dos direitos da mulher e do direito
ao voto a nível mundial. Enquanto trabalhava no mestrado, Brigitte escrevera inúmeros
ensaios sobre esse tópico. A sua tese versava sobre a maneira como cada país geria
o direito ao voto das mulheres, o que, na sua perspectiva, definia o que um
povo era como nação. Acreditava que o voto era um elemento crucial nos direitos
da mulher. Os colegas que tinham lido o que escrevera até à data sentiam-se impressionados
com a sua eloquência, mas não surpreendidos com a diligência e meticulosidade. Uma
das críticas que eram apontadas ao seu trabalho era o facto de, por vezes, se embrenhar
tanto nas minúcias do que estudava que negligenciava o quadro geral do que
expunha. Tinha tendência para se deixar enredar nos pormenores.
Brigitte
era uma pessoa afável e generosa, em quem se podia confiar. Responsáve1, era
uma mulher que se preocupava muito com os outros e extremamente trabalhadora. O
único reparo que a sua melhor amiga, Amy Lewis, fazia, e que não hesitava em dizer-lho,
era a sua falta de paixão. Ela intelectualizava tudo, obedecendo mais aos ditames
do seu cérebro do que aos do coração. Brigitte acreditava que a paixão era um defeito
e não uma qualidade. Fazia com que uma pessoa perdesse objectividade e sentido
de orientação. Brigitte gostava de manter o curso traçado antecipadamente, sem
nunca perder de vista os seus objectivos. Não gostava de agitar as águas, nem de
correr riscos, fosse no que fosse. Era uma pessoa com quem se podia contar e não
alguém que agisse impulsivamente ou que não ponderasse a fundo todas as suas acções.
Além de ser a primeira a admitir que era lenta a tomar decisões, o que nunca fazia
sem antes ter avaliado muito bem os prós e os contras.
Brigitte
calculava que estaria a meio do livro. Era sua intenção começar a escrevê-lo com
maior celeridade, o que lhe permitiria acabá-lo dentro de cinco anos, mais ou
menos na altura em que concluiria o doutoramento. Doze anos para escrever um livro
cujo tema era tão importante parecia-lhe um período razoável, uma vez que
trabalhava a tempo inteiro e tinha aulas de doutoramento. Não tinha pressa nenhuma.
Se conseguisse concluir o doutoramento e acabar de escrever o livro quando
tivesse quarenta e três anos, ficaria satisfeita consigo própria. A sua maneira
de lidar com as coisas, constante, inflexível e imperturbável, dava com a amiga
Amv em doida. Brigitte não era uma pessoa expedita e detestava mudanças na sua rotina.
Amy achava que ela devia tirar o maior partido possível da vida, abraçando as
coisas com mais espontaneidade. Amy tinha formação como conselheira matrimonial
e de família, além de trabalhar como assistente social. Dirigia o Departamento
de Aconselhamento da universidade, não hesitando em dar liberalmente os seus conselhos
e opiniões a Brigitte. Eram pessoas com feitios totalmente opostos, o que não obstava
a que fossem grandes amigas. Amv encarava tudo, em termos emocionais,
intelectuais e profissionais, a toda a velocidade. Brigitte era alta e magra,
de formas quase angulares, com cabelo preto-azeviche, olhos escuros, malares
salientes e tez morena. Parecia ser oriunda do Médio Oriente ou de Itália,
conquanto a sua ascendência fosse irlandesa e francesa». In Danielle Steel, Herança, 2010,
Bertrand Editora, Lisboa, 2016, ISBN 978-972-253-206-8.
Cortesia de
BertrandE/JDACT