terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

O Mito Maçónico. Jay Kinney. «O Ofício, que até tinha assistido ao nascimento da república norte-americana e se fazia rodear de uma aura de virtude cívica, passou a ser visto como uma força corrupta que ameaçava a lei e a ordem»

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A um Oceano de Distância
«(…) O filme O Tesouro, realizado em 2004 por Jon Turteltaub e interpretado por Nicholas Cage, agarrou nesta velha premissa para apresentar uma história na qual os Pais Fundadores maçons esconderam pistas sobre a localização secreta (em solo norte-americano) do tesouro dos Cavaleiros Templários, nas costas da Declaração da Independência e em outros artefactos históricos. Numa demonstração de invulgar paternalismo, a Franco-Maçonaria norte-americana é, nesse filme, apresentada como uma benevolente fraternidade secreta que mantém o tesouro escondido porque ele é demasiado grande para ser possuído por um único homem ou um único país. Um desfecho que não se combina com a premissa de que foram os maçons que deixaram as pistas para que o tesouro fosse encontrado. Aparentemente, está-lhes no sangue serem criadores de segredos e disseminadores de pistas para esses mesmos segredos.
No Reino Unido, a opinião pública sobre a Franco-Maçonaria nunca deixou de ser associada aos maneirismos que afectam os modos da classe média alta, um sentimento que provoca a desconfiança das classes inferiores em relação ao Ofício, principalmente a classe trabalhadora, mas nos Estados Unidos, país no qual as diferenças entre classes não têm tanta importância nas relações entre os indivíduos, a Franco-Maçonaria tem sido observada pela generalidade do público como uma fraternidade formada por americanos de gema, oriundos dos níveis mais activos da sociedade. No seu pico de popularidade, a Franco-Maçonaria norte-americana contou com quatro milhões de membros, o que significa que em cada cem homens adultos, registados nos cadernos eleitorais, oito foram maçons.
Mesmo assim, o pedigree patriótico da Franco-Maçonaria norte-americana não a poupou de ser vilipendiada. O sentimento antimaçónico é algo que pesa na psique colectiva dos americanos e, mais uma vez, as responsáveis são as suspeitas de secretismo e corrupção. Mal tinham passado trinta anos depois da presidência de George Washington e um escandaloso incidente, que envolveu os franco-maçons da alta sociedade do Estado de Nova Iorque, provocou a fundação da terceira força política norte-americana: o Partido Antimaçónico. Em 1826, William Morgan, um maçon ressabiado, foi raptado nas vésperas de publicar um livro no qual, supostamente, revelaria a verdade sobre a Franco-Maçonaria norte-americana, incluindo descrições dos rituais. Morgan nunca mais foi visto. Houve quem dissesse que ele fora levado para o Canadá e ordenado a nunca mais voltar, mas, a pouca distância do ocorrido, um cúmplice do rapto foi capturado pelas autoridades e confessou que o homem fora assassinado depois de ter sido abduzido.
Seriam os rituais maçónicos assim tão terríveis que a sua revelação suscitasse a intolerância do público? Foi mesmo isso que os americanos pensaram. Contudo, os tais rituais já tinham visto a luz em diversas denúncias públicas, sob a forma de folhetins, há mais de um século, e a sociedade norte-americana não rebentara pelas costuras por culpa disso. Esta era a constatação de que o incidente com Morgan pedia uma leitura mais complexa. Infelizmente, o que se sucedeu piorou as coisas. Correu, nessa altura, o rumor de que a condenação do suspeito daquele crime estava a ser boicotada pelos maçons e o público sublevou-se. O Ofício, que até tinha assistido ao nascimento da república norte-americana e se fazia rodear de uma aura de virtude cívica, passou a ser visto como uma força corrupta que ameaçava a lei e a ordem. Na verdade, a Franco-Maçonaria nova-iorquina foi obrigada a dividir-se em duas facções rivais: a urbana e a rural (cada qual com as suas Grandes Lojas) por culpa das acusações graves que pesavam sobre o Grão-Mestre da segunda. Um historiador sugeriu que foi o medo de uma exposição pública dessa corrupção que esteve por trás do desaparecimento de Morgan, em vez das preocupações sentidas pela revelação dos rituais.
Fosse o que fosse que tivesse estado na origem do incidente, a Franco-Maçonaria norte-americana saltou da frigideira para o fogo e o anti-maçonismo transformou-se num movimento político responsável pela eleição, em diversos Estados, de parlamentares, congressistas e, no estado de Vermont, de um governador, antimaçónicos. Em 1830, foram criados cento e vinte e quatro jornais antimaçónicos, um surpreendente 1/8 dos jornais nacionais. A Franco-Maçonaria norte-americana eclipsou-se durante uma geração e os seus membros resignaram aos magotes. Cerca de duas mil lojas devolveram as cartas-patentes às respectivas Grandes Lojas e abateram colunas. Apenas na década de 1840 é que a Franco-Maçonaria se reanimou e ganhou novos elementos». In O Mito Maçónico, Jay Kinney, 2009, tradução de David Soares, Saída de Emergência, 2010, ISBN 978-989-637-176-0.

Cortesia de SEmergência/JDACT