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«(…)
O jovem não retorquiu. Pegou no livro e examinou-o com uma intensidade qie ia
muito para além da frustração que Al sentia. Parecia…, zangado. Escuta, rapaz. Não
sei o teu nome. Nunca te vi por aqui. Estás há muito tempo nas Cidades?,
inquiriu Al. Os detectives das cidades gémeas de Minneapolis e Saint Paul, o núcleo
das forças da lei e da ordem na zona meridional do estado, conheciam-se quase todos,
nem que fosse apenas de vista. Não sou daqui. Foi tudo o que respondeu e não deu
sinais de querer prosseguir com tais cortesias profissionais. Virou o livro e voltou
a olhar para as folhas queimadas no cesto dos papéis. Al não estava ainda
disposto a deixar o assunto morrer. Não és da polícia local? Então, és da estatal?
O que faz aqui a polícia estatal?
Este
é um caso para a polícia local. Maldita seja a polícia estatal. O homem mais jovem
ignorou a persistência de Al e não respondeu às suas perguntas, acabando por colocar
o livro sobre a mesa. Alisando o fato, virou-se para o detective com um ar de eficiência.
Pela primeira vez, em toda a conversa, olhou directamente para os olhos de Al. Lamento.
Já tenho o suficiente para elaborar o meu relatório. Foi um prazer conhecê-lo, detective.
Um relatório? Aquele comentário displicente já passava das marcas. Um livro e uns papéis queimados eram
relevantes, claro, mas não suficientes para um relatório. Johnson olhou em
redor da sala. Havia impressões digitais, manchas de sangue, marcas de sapatos.
Tudo aquilo dava um relatório. E aquele janota parecia não lhe prestar a
menor atenção. Mostrara unicamente interesse pelo livro e as folhas queimadas. Como
se o resto da cena do crime não existisse. Não era um comportamento normal, nem
mesmo para um polícia estatal. Voltou-se para o agente desconhecido com uma
réplica sarcástica, contudo, não tardou a descobrir que o tipo se havia esfumado,
deixando-o a falar sozinho.
Se atacaram
e assassinaram um dos nossos colegas aqui, no campus, então quem é o
próximo? Os colegas de Emilv tinham ido dar aulas e ela ficara sozinha no seu gabinete,
cogitando sobre os estranhos contornos da conversa. As palavras de Emma Ericksen
ecoavam na sua cabeça. As questões sem resposta associadas à morte de Arno Holmstrand
não eram a única coisa que contribuía para o medo incómodo que sentia. Havia também
a presença ominosa da própria morte. Um colega havia sido assassinado a poucos
metros do seu gabinete. Existiria um perigo maior? Correriam todos perigo?
E
eu? Emily
descartou a ideia com a mesma velocidade com que esta chegara. Transformar
aquilo numa situação pessoal era irracional e servia apenas para alimentar o medo.
Teria de combater aquelas divagações dedicando-se a alguma outra actividade:
trabalhando e encarregando-se das pequenas tarefas pendentes antes de abandonar
o campus e ir ter com Michael.
Olhou
para a pilha de correio que retirara da caixa. Naquele momento era a fonte de
distracção mais imediata. Lixo, lixo, lixo. Emily ganhara a reputação de
recolher tarde o seu correio, e aquela era a razão. Numa das mãos segurava a correspondência
de quase duas semanas, e a maior parte do que recebera acabaria no lixo. Um envelope
de uma editora a publicitar um livro que ela não pensava ler. Uma circular sobre
os direitos dos animais, igual à que recebera na semana anterior e idêntica à que
receberia na semana seguinte. Um memorando que alertava para a existência de um
novo código de acesso para a fotocopiadora do departamento, escrito pela
secretária com o mesmo secretismo e a solenidade que teria usado se estivesse a
dar os códigos das armas nucleares. A vida de um académico podia ser intelectualmente
cativante, mas não era nada excitante. Emilv atirou o memorando para o lixo,
juntamente com o resto da publicidade. Por baixo de tudo encontrava-se um
solitário sobrescrito amarelo de papel texturizado e claramente dispendioso. O seu
nome aparecia escrito no anverso com uma letra muito elegante. Não tinha selo nem
remetente.
Algo
chamou a atenção de Emily. Notou a elegante caligrafia e a tinta castanha. As
letras desenhadas com desenvoltura apresentavam os inconfundíveis traços típicos
de quem usa uma caneta de tinta permanente. Virou o envelope e ficou a olhar
para o reverso em branco. Não exibia carimbo nem remetente, pelo que devia ter sido
colocado directamente na sua caixa de correio. Talvez se tratasse de um convite
para uma festa ou um evento, embora, a julgar pelo aspecto do sobrescrito,
tivesse de ser um acto de maior nível social do que aqueles a que estava habituada
a frequentar». In AM Dean, O Bibliotecário, 2012, Clube do Autor, Lisboa, 2014, ISBN
978-989-724-124-6.
Cortesia
de CdoAutor/JDACT