quinta-feira, 17 de março de 2016

A Bibliotecária. Logan Belle. «A sua única finalidade é permitir que os visitantes procurem os livros que necessitam, os números de referência e demais informações, para logo solicitá-los…»

Cortesia de wikipedia

«Regina Finch deteve-se na esquina da Quinta Avenida com a Rua Quarenta e dois. As pessoas empurravam para a esquerda e para a direita na sua pressa por passar. Os peões moviam-se como ondas rompendo contra uma rocha. Depois de um mês em Nova Iorque, ainda não se tinha acostumado ao horário de ponta. Mesmo assim, não permitiu que as pessoas a distraíssem. Era o seu primeiro dia no trabalho dos seus sonhos e ia saborear cada minuto. Um mês depois de finalizar uma pós-graduação em Bibliotecas e Informática na Universidade do Drexel, dirigia-se à biblioteca mais magnífica de todo o país. Elevou a vista para o formoso edifício, uma assombrosa obra de arquitectura em pedra calcária branca e mármore. Regina não podia imaginar que existisse um lugar mais perfeito que a Biblioteca Pública de Nova Iorque. Está olhando os gémeos?, perguntou-lhe uma senhora. Tinha o cabelo tão branco que parecia quase rosa e vestia um traje azul esverdeado com uns brilhantes botões dourados. Estava com um colar de cristais incrustados, o qual pendia um cachorrinho branco. Perdão?, disse Regina. Os leões, esclareceu a mulher. Ah, os leões. Em cada lado da ampla escada de pedra que subia até a biblioteca havia a estátua de um leão de mármore branco. Eram umas criaturas de aspecto real, que, sentadas sobre uns pilares de pedra, pareciam guardar o conhecimento que habitava o edifício. Eu gosto dos leões, afirmou Regina. A sua colega de quarto tinha advertido muito séria que não devia responder a todos os pirados que lhe falassem na rua. Mas Regina era da Pensilvânia e sentia-se incapaz de ser mal-educada.
Paciência e Integridade, respondeu a mulher. Esses são seus nomes. De verdade?, exclamou Regina. Não sabia. Paciência e Integridade, repetiu a mulher e partiu. Regina não soube como dizer à sua nova chefe, Sloan Caldwell, que não necessitava de uma visita guiada pela biblioteca, porque tinha ido ali com frequência desde que era menina. Mas Sloan, uma loira alta e fria do Upper East Side, tinha-lhe parecido intimidadora durante a entrevista e, de algum modo, o parecia ainda mais agora que tinha conseguido o trabalho. Não quer tomar notas enquanto caminhamos?, perguntou-lhe Sloan. Regina abriu a bolsa e procurou um papel e um lápis. Seguiu a mulher pelo grande vestíbulo de mármore, cujo estilo Belas Artes sempre lhe recordava as fotografias dos grandes edifícios da Europa. Mas o seu pai havia-lhe dito muitas vezes que não tinha sentido comparar a sede central da Biblioteca Pública de Nova Iorque com nada, já que, como obra de arquitectura, era única. E esta é a Sala do Catálogo Público, anunciou Sloan. A magnífica sala, oficialmente chamada Sala do Catálogo Público Bill Blass, e composta por mesas baixas de madeira escura, providas de abajures de bronze distintivas da biblioteca, com telas de metal rematadas em bronze escuro. Os computadores pareciam estar fora de lugar, já que os móveis lembravam o início do século XX. Estes computadores não têm acesso à Internet, comentou Sloan, claramente aborrecida pela explicação que, sem dúvida, teria dado infinitas vezes. A sua única finalidade é permitir que os visitantes procurem os livros que necessitam, os números de referência e demais informações, para logo solicitá-los em empréstimo. É óbvio, Regina conhecia esse sistema melhor que tudo na vida.
Ela adorava era um bom sistema. Para ela, a ordem estava acima de tudo. Depois de procurar os livros, os visitantes escreviam os títulos e os números de referência num papel com os pequenos lápis que tinham ao seu dispor nos boxes de ambos os lados das largas mesas. Para Regina era reconfortante o facto de que nessa época, em que tudo se fazia pelo SMS ou correio eletrónico, a Biblioteca Pública de Nova Iorque era o único lugar onde os leitores ainda tivessem que usar papel e lápis. Sloan continuou andando e os saltos de sua Ankle Boot ressoaram no chão de mármore. Usava o cabelo liso preso num delicado coque baixo e estava vestida da cabeça aos pés de Ralph Lauren. Igual à companheira de apartamento de Regina, Sloan Caldwell, a olhou de cima a baixo e disfarçou o seu veredicto: ruim! Muito ruim!. Regina se perguntou se em Manhattan haveria algum código secreto para se vestir, e que todo o mundo conhecia menos ela. Desde que mudou para a cidade, sentia-se como um dos extraterrestres da invasão dos ladrões de corpos; quase parecia uma nova-iorquina, mas quem a olhasse com mais atenção via que não era bem assim. E aqui temos o coração da biblioteca, a Sala Principal de Leitura. O pai da Regina ia com frequência à Nova Iorque por negócios e a levava com ele. Viajavam de comboio, comiam no Serendipity e visitavam a sede central da Biblioteca Pública de Nova Iorque, na Quinta Avenida; um ritual para estreitar laços afectivos. O leve aroma de fechado, da Sala Principal de Leitura, recordava o seu pai de um modo tão vívido e intenso que sempre necessitava de um momento para se recuperar. Deteve-se para ler a inscrição que havia sobre a porta, um protesto contra acensura de 1644 do Areopagítica de Milton: um bom livro é a preciosa seiva para um espírito magistral, embalsamado e entesourado com o propósito de dar vida além da vida». In Logan Belle, A Bibliotecária, tradução de Bruh Santos, Editorial Planeta, 2013, ISBN 978-989-657-440-6.

Cortesia de EPlaneta/JDACT