quinta-feira, 10 de março de 2016

A Infanta dona Maria de Portugal, o Mecenato de uma Princesa Renascentista. Carla Alferes Pinto. «Estava vestida a princesa com um vestido afogado de veludo preto com orla de ouro no colarinho coifa de rede de ouro na cabeça, e uma coroa no braço, de rubis e diamantes»

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A Sempre-Noiva. Política matrimonial e Diplomacia paralela
«(…) De 1571 temos a descrição que João Baptista Venturino fez da visita de Miguel Bonello, o cardeal Alexandrino: tendo anoitecido acompanhados com vinte tochas adiante fomos ao palácio da infanta dona Maria, irmã de João III, a qual, tendo ficado órfã em tenra idade, não quis jamais casar, posto que fosse robusta, formosa e procurada. Era alta, e teria de idade cinquenta anos, posto que não pareça à primeira vista. Dizem que é a princesa mais rica da cristandade, possuindo inumeráveis jóias e milhão e meio de bens patrimoniais, que gasta com os pobres. Estava vestida a princesa com um vestido afogado de veludo preto com orla de ouro no colarinho coifa de rede de ouro na cabeça, e uma coroa no braço, de rubis e diamantes, que avaliámos em trezentos mil escudos. Esperava em pé pelo Legado, num aposento forrado de panos de Flandres de seda e ouro, debaixo de um dossel de brocado. Ajoelhou ao entrar de s. exma e levantando-se veio recebê-lo à porta do quarto. Depois assentou-se no chão debaixo do dossel, e o Legado defronte dela en numa cadeira de quatro damas, e três donzelas não menos honestas que formosas e semelhantes às três Graças, duas vestidas de veludo preto, e a do meio de damasco branco, e todas cobertas de jóias tanto no pescoço como nas mangas com coifas de fio de ouro que lhe chegavam só a meio da cabeça, e os cabelos bem assentados na frente, algum tanto crespos mas não entraçados. Depois de urna curta conversação, o Legado voltou ao palácio. Em 1575 a embaixada do rei do Hidalcão recebe, também, oferendas das mãos da Infanta: voltou para a India nas nàos do anno seguinte com grandes dadivas delRey, rainha, e infanta dona Maria.
Não se tratava de meras visitas de cortesia, mas de verdadeiros actos de Estado. Assim, no dia 20 de Janeiro de 1568, ela foi presença essencial da cerimónia dos Estaus, quando o governo é entregue ao Sebastião: feito isto chegou-se a Rainha sua avò, e beijou lhe a maõ, o mesmo fez a Infante dona Maria, o cardeal, e o Senhor Duarte, seus tios, o qual assistio com o Estoque, como condestavel môr do Reyno. Contudo, as suas relações com o jovem rei não foram as melhores. Dona Maria não casara, porque Fernando se fora recusando a contrair matrimónio no interesse dos seus filhos e, entretanto, falecera em 1564, assim perdendo poder negocial; e o estalar da crise de 1569 conduziu ao seu afastamento voluntário da cena política (parece-nos que este afastamento se deu apenas ao nível dos órgãos de poder, pois a Infanta continua a dar provas de um verdadeiro objectivo político que se manifesta, nomeadamente, na fundação de uma nova paróquia na cidade extra-muros, com a desanexação de parte da freguesia de Santo Estevão de Alfama). A sua morte em 1577, dez meses antes da cruzada de Alcácer-Quibir, não sem antes, segundo os cronistas, ter anunciado o desastre, afastou qualquer futura possibilidade de vir a herdar o trono português. Assim, não admira que não lhe restasse mais do que, refugiando-se no passado, deixar por testamento instituídos por herdeiros universais, as almas delRey [seu] pay, e da Raynha [sua] mãy.

A Sereníssima Infanta Dona Maria. A sua casa e fortuna
Iffante de Portugal e dos Algarves (convento de São bento de Santarém), Senhora de Torres Vedras e Viseu, soberana do senescalado de Agenois na Gasconha e do de Ruag, bem como dos rios, ribeiras e senhorios de Verdum e Algiboens no Languedoc,
para além das baixella douro, Prata, joias, pedras preciosas, tapeçarias, douro, e seda, e outros enxovaes, era a imponente lista de títulos e riquezas de dona Maria.
Não admira que lhes correspondesse um estado e um modo de vida igualmente imponente. A história dos palácios quinhentistas portugueses é-nos, ainda, desconhecida. Sabemos, através de relatos posteriores, nos quais se insere a reacção de desagrado de Filipe I ao conhecer os paços reais da Ribeira, que estes não seriam tão sumptuosos e dignos de memória como poderíamos desejar. A inexistência de fontes que os mencionem e/ou descrevam é, talvez, sintoma dessa decadência. Das casas habitadas pela Infanta temos, pois, poucass notícias. Sabemos que viveu com a família real, na Ribeira, até atingir os 16 anos, altura em que o rei decide separar a sua morada, criados e serviços da casa real dando-lhe os paços velhos da Alcáçova para nova residência. Existem, depois, duas referências e palácios de dona Maria: em Santa Clara e em Santos-o-Novo (no dia 18 de Julho de 1577 dona Maria assina o testamento no seu palácio, que entonces era cerca del Conuento de Santos el nueblo, 1675; a memória dos paços da infanta dona Maria perdeu-se rapidamente, nomeadamente no que diz respeito ao local onde faleceu; Barbosa Machado escreveu que dona Maria morreu nos paços da Alcáçova, 1736-1751; já Júlio Castilho discordava, lembrando que a Infanta tinha opulenta casa em Santa Clara, 1935)». In Carla Alferes Pinto, A Infanta Dona Maria de Portugal, o Mecenato de uma Princesa Renascentista, Fundação Oriente, 1998, ISBN 972-9440-90-5.

Cortesia da FOriente/JDACT