A
verdadeira história da marquesa se Santos (1797-1867)
«Tudo o que você
queria saber sobre Domitila Castro e tinha vergonha de perguntar. É uma bem
apaixonante história essa que nos conta Paulo Rezzutti. Pois assim como há
encontros pela vida, também entre autores e personagens, entre investigadores e
seus objectos de pesquisa, eles ocorrem. Pois o historiador descobriu uma
personagem histórica sobre a qual se debruçou, com rigor e ternura, ao longo de
anos de pesquisa em arquivos diversos e centenas de documentos. Ninguém conhece
melhor Domitila Castro do que ele… Portanto, ninguém melhor do que Paulo
Rezzutti para desconstruir o mito e nos apresentar a sua história, tendo como
pano de fundo as transformações políticas, sociais e económicas do nascente
Império do Brasil. Apoiado numa escrita eficaz, num estilo vivo, sem efeitos de
retórica, texto, portanto, que se lê com curiosidade e emoção, Rezzutti remonta
às origens da bela nascida na formosa sem dote, a pequena São Paulo,
decifrando o seu passado: bodas infelizes, encontro com um jovem príncipe quase
encantado e ida para a corte do Rio de Janeiro, a consolidação no papel de
favorita, o seu poder e fascínio. E, no outro lado da moeda, as inconstâncias
de Pedro, a triste existência da imperatriz Leopoldina, assim como a sua morte
com diagnóstico inédito, as outras concorrentes, o exílio que rompeu o encanto
e ocaso de uma trajectória: a da Pompadour tropical. Absolutamente
inéditos são os capítulos sobre o retorno de Domitila a São Paulo. O seu
casamento com uma das figuras mais emblemáticas da sociedade, a prole aumentada,
a relação com a cidade, a benfeitora e o destino da sua família. O
tríptico é tão mais interessante e intenso quanto os seus capítulos, que se percorrem
com leveza, e se baseiam em exaustiva e consistente pesquisa. Graças a ela,
Domitila Castro aparece-nos inteira, como se acabasse de virar a esquina. Tão
fascinante quanto necessário, o livro de Paulo Rezzutti atravessa o enigma do
mito, escuta, interroga e corrobora as vozes do passado, encaixa peças de um puzzle
que açodava os historiadores há muito tempo. Ele nos restitui um retrato nítido
da marquesa de Santos e a sua versão de uma verdadeira história, dentre tantas
histórias que ainda estão por construir sobre o Primeiro Reinado». In Mary
Del Priore Historiadora
Marquesa
dos Santos ou dos Demónios
«Num
final de tarde, no alto da colina do Ipiranga, os últimos raios entravam pelos altos
arcos da fachada do museu. Um senhor de idade avançada caminhava pelo velho
edifício que administrara por quase três décadas. Afonso Taunay, aposentado
compulsoriamente ao completar setenta anos, era acompanhado por Sérgio Buarque
de Holanda, seu sucessor na directoria do Museu Paulista desde 1946. Em
determinada sala, Taunay parou abruptamente. Desafiadores olhos escuros
observavam-no. Surpreso, apontou sua bengala em direcção ao quadro: mas então
penduraram o retrato dessa tipa! Não ofenderão os melindres das famílias de São
Paulo? A tipa em questão era Domitila Castro Canto Melo, a
marquesa de Santos. Taunay, católico praticante, havia condenado Titília ao inferno
de qualquer museu: um canto escuro no porão, longe dos olhos dos visitantes.
Ela só veio alcançar a redenção graças ao novo director, que a trouxe à luz.
Desde então encontra-se exposta, geralmente com vista para o local onde
repousam os restos mortais do seu imperial amante e das duas esposas dele. Parte
do choque de Taunay era compreensível: haviam posto a tela diante de um retrato
do padre Feijó e, entre os dois, a cama que pertencera a ela. O espanto do
antigo director perante a cena inusitada, causada por uma curadoria desastrada,
ilustra como, setenta anos após a morte da marquesa, os paulistas não sabiam
bem, como ainda não sabem, o que fazer com a memória de Domitila.
Existe
um tabu histórico envolvendo a marquesa de Santos na cidade onde nasceu. As
duas principais obras sobre a história de São Paulo e das famílias paulistas no
século XIX, A província de São Paulo (1879), de Manuel Eufrásio Azevedo
Marques, e a Genealogia paulistana (1903), de Luís Gonzaga Silva Leme,
não trazem qualquer menção às filhas que ela teve com o imperador. Só mencionam
Domitila como a esposa do brigadeiro Tobias Aguiar, informando os filhos que
teve com ele e, no caso da Genealogia, listando as crianças do primeiro
casamento com o alferes Felício Pinto Coelho Mendonça. Com o passar do tempo,
após a morte de Domitila, os seus conterrâneos buscaram supervalorizar aspectos
e qualidades pouco conhecidos da marquesa fora de São Paulo, relegando para
segundo plano o seu concubinato com o imperador, causa primeira de sua ascensão
social e consequente independência financeira. Domitila, sem ter sido amante de
Pedro, sem ter usufruído as benesses do poder, riquezas e glórias, viveria,
provavelmente, uma vida obscura. Separada do primeiro marido, talvez se
amancebasse com algum outro homem de condição igual ou inferior ao primeiro.
Dificilmente se destacaria, como não se destacou nenhuma outra mulher paulista
de sua época. A célebre cafeicultora Veridiana Valéria Silva Prado, igualmente
divorciada e filha natural do barão de Iguape, ocuparia lugar na crónica social
paulista gerações depois do caminho desbastado por Titília». In Paulo M. Rezzutti, Domitila, 2012, Geração
Editorial, São Paulo, 2013, ISBN 978-853-940-089-4.
Cortesia
de GeraçãoE/JDACT