terça-feira, 8 de março de 2016

As Filhas do Graal. Elizabeth Chadwick. «Bridget conteve o fôlego ao vê-lo mais de perto. Sentiu o magnetismo do jovem corpo vigoroso e a alegria que dele irradiava. O seu próprio corpo reagiu como a corda tangida de uma harpa»

jdact
As Montanhas Negras do Alto Languedoc. Verão de 1207
«(…) Raoul observou a mão rechonchuda de Otho mergulhar num prato de amêndoas açucaradas, agarrá-las, levá-las aos lábios húmidos e atafulhá-las na boca ávida. Sentiu-se nauseado e desviou o olhar. Três peregrinos tinham acabado de chegar ao salão de banquetes. As suas capas e chapéus de abas largas estavam poeirentos da viagem. Alein, o escudeiro do seu pai, encontrou-lhes lugares para se sentarem nas apinhadas mesas junto da porta. Eram dois homens, um por volta dos quarenta anos, o outro, uns dez anos mais velho. Sentada entre eles e a agradecer a Alein com um caloroso sorriso estava uma jovem mulher. Os ossos que formavam o seu rosto eram demasiado fortes para lhe dar beleza, mas havia alguma coisa para além do seu aspecto que a tornava totalmente hipnotizante. Cheio de curiosidade, Raoul estudou-a, perguntando-se de onde viria ela e para onde ia. Os peregrinos paravam ocasionalmente em Montvallant a caminho de Toulouse, mas, de uma forma geral, pediam hospitalidade na igreja em Villemur. Uma criada debruçou-se sobre a mesa para servir mais pão e vinho, escondendo a jovem da vista de Raoul. Ele inclinou o pescoço, tentando mantê-la no seu campo de visão. Os músicos, que tinham estado a tocar baixinho durante os variados pratos do banquete, mudaram de ritmo e os vivos acordes de uma jiga encheram o salão. O pai deu-lhe uma cotovelada. Não vais dançar com a tua noiva? provocou-o Berenger. As pessoas estão à espera que a convides. Raoul apercebeu-se dos olhares expectantes dos convidados da boda. Mortificado, ergueu-se apressadamente e, voltando-se para Claire, estendeu-lhe a mão para a ajudar a levantar-se. Ela corou e pousou os dedos finos nos dele. O ouro novo do seu anel de casamento brilhava como uma promessa. Raoul esqueceu a peregrina quando conduziu a sua noiva para o espaço que fora aberto no salão, esqueceu tudo para além da sensação daquele corpo esguio que ora tocava ligeiramente o seu, ora se afastava, à medida que rodopiavam nos antigos passos da celebração. Mais pão, Bridget?, Chretien ofereceu à sobrinha o cesto com pequenos pãezinhos. Ela recusou com um sorriso. Não conseguiria comer nem mais um pedaço. Pousando os cotovelos sobre a mesa, observou os dançarinos com olhos melancólicos. Eles pertenciam a outro mundo, um que ela podia ver mas nunca penetrar. Uma parte de si ansiava pelas cores, as festas e a descuidada exuberância que não se preocupava com nada para além do momento. Por vezes era muito difícil ser quem era e ser o que era. Os dançarinos rodopiaram na sua direcção, o jovem noivo encurralado no meio de um grupo de outros homens. Ele ria enquanto tentava sem grande esforço escapar às suas mãos. Bridget conteve o fôlego ao vê-lo mais de perto. Sentiu o magnetismo do jovem corpo vigoroso e a alegria que dele irradiava. O seu próprio corpo reagiu como a corda tangida de uma harpa. Baixou o olhar para a mesa e fixou-o numa escura mancha de vinho na madeira, o seu coração acelerando e a pele a vibrar de sensibilidade. O salão irrompeu em aplausos e gritos, assobios de aprovação e brados de encorajamento quando o noivo foi conduzido para as escadas da torre. O que é que se está a passar?, perguntou Bridget a uma mulher sentada à sua mesa. O que é que se vai passar, quer a menina dizer, gracejou a mulher. Está na altura de o senhor Raoul e a sua noiva serem levados para a cama para cumprirem o seu dever! Ah!, soltou Bridget. Fora por isso que ela sentira o seu vigor, uns momentos antes, mas nessa noite esse vigor já tinha um objectivo. A nova esposa, rodeada pelas suas damas, estava a ser conduzida do dossel para um diferente lanço de escadas. Ela tinha o andar gracioso de uma corça e os mesmos modos tímidos e perplexos. Silenciosamente, Bridget desejou felicidades ao casal». In Elizabeth Chadwich, As Filhas do Graal, 1993, tradução de Ester Cortegano, Edições Chá das Cinco, 2013, ISBN 978-989-710-050-5.           
Cortesia de CdasCinco/JDACT