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Jamais houve homem menos
maquiavélico do que Maquiavel. In Villari
Maquiavel, o prisioneiro do maquiavelismo
«(…) Preso por ter
traído os de Medici, Maquiavel vai ver os seus tormentos terem fim,
paradoxalmente, ironia do destino, por causa do aumento de poder da poderosa
família dos Palleschi, nome que lhes
adveio por causa das bolas que ornam a sua cota de armas, símbolo heráldico dos
seus: com a aproximação da Primavera, a 12 de Março do ano de 1513, a cidade
comemora a eleição de mais um papa, mais um de Medici, Giovanni, segundo filho
de Lorenzo, o Magnífico, que ascende
com o nome de Leão X, substituindo Júlio II no trono de São Pedro.
A cidade entra em festa
para celebrar o evento, um autêntico carnaval vive-se por cinco dias nas ruas,
nas casas e nos palácios, muitos no sonho delirante da paz perpétua, outros pelo
simples gozo venal do contentamento pagão. Os Florentinos imaginam já as
benesses que podem cair-lhes do céu com um papa a que podem chamar seu. As
prisões abrem entretanto as portas, a velha superstição de que dar liberdade
liberta. Maquiavel é solto. Salvo da má fortuna, este homem sabe que os
corredores do poder, de que fora funcionário, estão para trás. Expulso da cena palaciana,
resta-lhe, por cautela, retirar-se. Mas não desiste. Servir os grandes,
tornando-se-lhes útil, é, afinal, a sua biografia. Usa, para tanto, a única
força que tem ao seu dispor, escrever, e a única forma como o sabe fazer, a
ironia.
Ainda na cadeia,
Maquiavel não baixara o nível da esperança. Estudiosos da sua controversa vida
situam dois sonetos, uma canção (Se avessi arco) e um Capítulo
Pastoral, como tendo sido escritos naquelas adversas condições carcetárias,
na ânsia de obter a graça do Magnífico Giuliano, irmão do papa. Textos
inesperados, eles são a melhor demonstração de uma ambígua personalidade em
que, naquele ambiente de incerteza, diminuído pelo medo, minado pelo
sofrimento, não o abandona o riso de altivez que o aproxima, aos olhos de tantos,
do velhaco calculista e do lisonjeador interesseiro. A poesia, com a sua
capacidade de concentrar em imagens conceitos extensos, é, por ventura, o
melhor autorretrato da sua pessoa. E o que escreveu sobre a sua condição de
preso, o que deixou sobre a execução de Boscoli e Capponi, é a demonstração do
que sente quando pensa, é o modo como se refere ao momento em que o carrasco
leva para a morte os seus companheiros de infortúnio». In Nicolau Maquiavel, O Príncipe,
Introdução de José António Barreiros, tradução de Maria Jorge Figueiredo,
Editorial Presença, Lisboa, 2008, ISBN 978-972-23-3951-3.
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