sábado, 19 de março de 2016

Amantes dos Reis de Portugal. Paula Lourenço (coord), Ana C. Pereira e Joana Troni. «Segundo parece, viveu com Bermudo Peres Trava, mas em 1120 iniciou uma relação com o irmão deste, Fernão Peres Trava»

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«(…) Por isso, falar destas mulheres implica que mesmos os sectores sociais marginais não deixem de pertencer, com muitas nuances a um sector major de marginalidade, a história das mulheres. E não estamos sequer a falar da história do género porque Homem e Mulher caminham, lado a lado, nesta aventura secular, em conflito declarado ou em harmonia aparente.

O conde Henrique e a rainha dona Teresa. Uma relação conturbada?
Foi no ano 1096 que teve lugar um dos marcos mais importantes para o futuro reino de Portugal e para a monarquia portuguesa: a celebração do casamento do conde Henrique da Borgonha com dona Teresa, filha de Afonso VI de Leão e Castela, de cognome o Imperador. Para recompensar os sucessos militares e os vários anos em que lutara a seu lado contra os mouros, Afonso VI concedeu a Henrique o título de conde e, como dote matrimonial, as terras a sul do rio Minho, o denominado Condado Portucalense e de Coimbra. Podemos considerar este consórcio como o início da Casa Real Portuguesa, na bem conhecida expressão de António Caetano Sousa, nascendo deste matrimónio o 1.º rei de Portugal, Afonso Henriques. O conde Henrique, de gentil presença, estatura bem proporcionada, olhos azuis e cabelos louros, era filho de Henrique da Borgonha e de Sibila, e bisneto de Roberto II, rei de França. As origens de dona Teresa são mais difíceis de precisar. Na realidade, não há dúvidas quanto ao facto de ser filha de Afonso VI e de dona Ximena Nunes Gusmão, mas incertezas pairam quanto ao seu nascimento.
Muito se tem escrito sobre a legitimidade deste casamento, o que tem suscitado questões quanto à bastardia de dona Teresa. Diferentes pontos de vista têm vindo a abordar esta matéria. Se há diversos autores que referem que era filha legítima porque o consórcio efectivamente se verificara, os estudos mais recentes parecem ser unânimes em considerar que dona Teresa era filha ilegítima de Afonso VI. Atendendo à dificuldade de provar documentalmente qualquer uma das afirmações, o certo é que, do muito que se escreveu sobre o casamento, permanece pouco clara a legitimidade da união matrimonial dos seus progenitores. O nascimento do reino de Portugal teve, deste modo, por base a doação patrimonial do imperador Afonso VI de Leão e Castela à sua filha dona Teresa. Uma ilegítima que reclamará para si a dignidade régia, intitulando-se rainha em vários documentos oficiais. Em conclusão, a legitimação de filhos bastardos, como veio a suceder com dona Teresa, consagrava juridicamente a perpetuação da linhagem, sobretudo para um reino que se estava a consolidar. O conde Henrique e dona Teresa, de quem se diz que tinha grande formosura, foram pais da infanta dona Sancha Henriques, de dona Urraca Henriques, e de dona Teresa Henriques. O infante Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, nasceu em 1109, em Guimarães ou em Viseu.
Afonso Henriques tinha apenas dois anos quando o conde Henrique morreu em Astorga, em Maio de 1112. Segundo algumas fontes, o conde teria tido um filho ilegítimo, Pedro Afonso, de uma dona de nobre geração, acabando ele próprio por tomar o hábito de S. Bernardo no Real Mosteiro de Alcobaça, onde jaz sepultado, mas as informações mais detalhadas para tempos tão remotos permanecem obscurass. Em primeiro lugar, porque o patronímico devia ser Henriques e não Afonso, isto é, se fosse bastardo do conde Henrique provavelmente chamar-se-ia Pedro Henriques. Mas o silêncio e a pouca clareza dos documentos relativamente a este Pedro Afonso, a par da forte improbabilidade de certos factos que se lhe atribuem, principalmente durante o reinado de Afonso Henriques, levam a que estudos recentes considerem pouco crível que Pedro Afonso fosse bastardo do conde Henrique.

A vida escandalosa de dona Teresa
Porém, se da vida afectiva do conde Henrique pouco se conhece, sobre dona Teresa o leque de informações é mais vasto. Alguns anos após a morte do conde, nota-se uma aproximação significativa de dona Teresa a Bermudo Peres Trava, com quem terá tido uma relação afectiva. Por esta altura, com o apoio dos Trava, Bermudo, Pedro Froilaz e Fernão Peres, começou a reivindicar o senhorio da Galiza, a herança de seu pai. A vida amorosa de dona Teresa após a morte de seu marido foi, para a época, de acordo com os dados de que se dispõe, algo escandalosa. Segundo parece, viveu com Bermudo Peres Trava, mas em 1120 iniciou uma relação com o irmão deste, Fernão Peres Trava. Não se sabe ao certo se casaram ou se apenas viviam juntos maritalmente, mas uma crónica antiga diz que mantinham um casamento sem Deus e sem direito». In Paula Lourenço (coord), Ana Cristina Pereira, Joana Troni, Amantes dos Reis de Portugal, 2008, Esfera dos Livros, Lisboa, 2011, ISBN 978-989-626-136-8.

Cortesia ELivros/JDACT