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O ponto fraco do yakuza era o vício
da musculação. Vá-se lá saber qual a origem: se um historial de levar tareia no
recreio, que lhe tivesse dado vontade de se mostrar visivelmente forte desde
então, numa tentativa de superar uma sensação de insuficiência por ter um corpo
naturalmente mais franzino do que os caucasianos, se um homoerotismo reprimido
como aquele que motivava Mishima. Talvez alguns dos mesmos impulsos que haviam
levado a que se tornasse, desde logo num mafioso. Claro que a obsessão dele
nada tinha que ver com a saúde. Aliás, nitidamente, o tipo era consumidor de
esteróides em excesso. Tinha o pescoço tão grosso que dava a impressão de ser
possível passar uma gravata por cima da cabeça sem ter de folgar o nó além de
acne tão grave que as duras luzes incandescentes do ginásio, desenhadas para
exibirem com máxima definição os músculos que os frequentadores desenvolviam
nos seus corpos, projectavam pequenas sombras na paisagem esburacada do seu
rosto. Provavelmente tinha testículos do tamanho de passas de uva, o sangue a passar
desenfreado pelo coração acelerado. Além disso, já o tinha visto perder as
estribeiras no tipo de acesso violento sem qualquer provocação que é outro
sintoma do abuso de esteróides. Numa noite, alguém que eu nunca tinha visto
antes, decerto um dos civis que frequentavam o ginásio, que gostava do sítio e
achava que misturar-se com pretensos mafiosos o tornava mais duro por osmose, começou
a tirar alguns dos inúmeros discos de ferro que faziam peso na barra que o yakuza tinha estado a levantar. O yakuza afastara-se do banco de supino,
provavelmente para fazer um intervalo, e o novato deve ter-se convencido, erroneamente,
de que isso queria dizer que o outro tinha acabado. O próprio novato também era
de tamanho respeitável, a sua camisola de cavas, de licra colorida, mostrava
que tinha tronco e braços de halterofilista. Talvez alguém devesse tê-lo avisado,
mas os sócios do clube eram sobretudo chinpira,
jovens yakuza de baixa patente e
aspirantes a rufas, não eram exactamente bons samaritanos interessados em
ajudar o próximo. Seja como for, é preciso ser-se, no mínimo ligeiramente estúpido
para se começar a desmontar uma barra como aquela que o yakuza estava a utilizar sem se olhar primeiro à volta, para pedir
autorização. Provavelmente estava a pesar cento e cinquenta quilos, talvez
mais. Alguém chamou a atenção do yakuza
e apontou para lá. Este, que estava de cócoras, empinou-se e troou: Orya!, suficientemente
alto para fazer vibrar o vidro laminado na frente da sala rectangular. Que mer…
é essa?! Todos levantaram as cabeças, tão espantados como se tivesse havido uma
explosão, inclusive o novato, que ainda há pouco estava tão distraído. Ainda a
bradar impropérios, o yakuza avançou
a direito para o banco, em passos largos, aproveitando bem a voz, quer tenha
sido por instinto ou com intenção, para desorientar a sua vítima. Tudo no yakuza, as palavras, o tom de voz, o
movimento e a postura, gritava: ataque! Mas o outro estava demasiado tolhido,
fosse pelo medo ou pela negação, para se desviar da linha de ataque. Embora
tivesse na mão um disco de ferro que pesava dez quilos e tinha a superfície
substancialmente mais dura do que o crânio do yakuza, o homem não fez nada excepto deixar cair o queixo, talvez surpreendido,
talvez para formular um pedido certamente fútil de desculpas». In
Barry Eisler, O Quinto Mandamento, 2004, tradução de Luís Coimbra, Saída de
Emergência, 2011, ISBN 978-989-6337-304-7.
Cortesia
de SEmergência/JDACT