quinta-feira, 17 de março de 2016

Imperatriz dona Leopoldina. Marsilio Cassotti. «… era capaz de tomar distância das situações mais complicadas ou dolorosas recorrendo a isso que os italianos chamam de ‘leggerezza’»

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A história trágica da mulher de Pedro I que lutou pela independência do Brasil
«Sentada na beira da parte de trás de uma carroça que os camponeses usam para transportar palha, Maria Antonieta parece indiferente a tudo que a cerca. Como se os insultos que a multidão vai gritando enquanto a conduzem à morte pelas ruas de Paris fossem dirigidos a outra pessoa. Quem poderia ter distinguido naquela mulher de touca e lábio inferior saliente, curvado em uma careta de desprezo, a radiante arquiduquesa austríaca que havia chegado 23 anos antes a Versalhes para fazer a felicidade da França? À guilhotina! À guilhotina!, grita de repente outra mulher. A raiva que sai de sua boca é tão intensa que a rainha não pode evitar girar a cabeça e olhar para ela. É possível que essa cena tenha passado pela mente da imperatriz Maria Teresa no dia em que deu à luz a arquiduquesa Leopoldina. Tantas vezes deviam ter lhe falado da morte de sua tia que não seria estranho que tenha até sonhado com ela alguma vez. Não se sabe quem teria sido o primeiro a lhe contar essa história; talvez sua mãe, irmã favorita de Maria Antonieta. Seja como for, naquela madrugada de 22 de Janeiro de 1797 a imperatriz Maria Teresa não ouviria a seu redor os gritos da plebe de Paris, e sim os ruídos característicos de um quarto onde uma mulher está em trabalho de parto. Em seu caso, os aposentos de tectos altos e portas douradas situados numa ala do palácio imperial de Viena. Essa madrugada nevava copiosamente e o silêncio da pracinha, situada aos pés das janelas dos seus aposentos, ainda não havia sido quebrado pelo repicar dos sinos da capela imperial chamando para a primeira missa do domingo. Prestes a dar à luz um novo rebento do imperador do Sacro Império Romano-Germânico, evocar a morte violenta da rainha Maria Antonieta da França poderia ser considerado de mau agouro. Em especial quando a parturiente é uma mulher nascida e criada em Nápoles, cidade conhecida porque os seus habitantes, de todas as categorias, costumam acreditar em superstições. De modo que se em algum momento dessa madrugada passasse pela mente de Maria Teresa a imagem da sua tia enquanto era conduzida à guilhotina, ela a afastaria depressa, recordando que na Áustria considerava-se um bom presságio que uma criança nascesse num domingo. Enquanto isso, o parteiro imperial tentaria parecer seguro de si e as camareiras nobres trocariam olhares furiosos, disputando o privilégio de colocar mais um travesseiro no leito da imperatriz. Desde que o médico imperial lhe havia confirmado que estava grávida de novo, em algum momento ela deve ter, talvez, cogitado a velha pergunta. Menino ou menina? Apesar de saber, por experiência própria, que o destino das princesas reais quando se casavam era acabar, quase sempre, longe do local de nascimento, às vezes muito longe, Maria Teresa sempre desejara ter muitas filhas. Mas tudo isso havia mudado depois que sua tia tivera a cabeça cortada. E, acima de tudo, desde que aqueles frívolos franceses haviam enfiado na própria cabeça levar a sua Révolution a outros Estados da Europa. É provável que Maria Teresa tenha ouvido alguma vez sua mãe, a mais inteligente das irmãs de Maria Antonieta, dizer que na história da Europa não era raro que as rainhas pagassem pelos erros políticos cometidos por seus respectivos esposos. Algo muito injusto, porque muitas vezes era graças às suas esposas que os reis conseguiam que se realizassem grandes feitos na história. Com certeza, a imperatriz ignorava que isso havia ocorrido menos de um ano antes. Foi o caso de um pequeno capitão francês de origem corsa, casado com uma aristocrata de ascendência crioula. Graças ao facto da sua mulher ter sido amante de um dos personagens mais importantes da Révolution, Napoleão Bonaparte havia obtido sua ascensão a general de uma armada, encarregada, em princípio, de abrir uma frente de guerra na Itália, com a finalidade de afastar os ataques inimigos da França. Mas esse oficial, que mal ultrapassava um metro e sessenta de estatura, havia-se revelado um génio militar e agora ameaçava tomar a cidade italiana de Mântua, principal preocupação do homem que esperava numa pequena sala próxima aos aposentos de tectos altos e portas douradas onde a sua augusta esposa, a imperatriz do Sacro Império Romano-Germânico, estava prestes a dar à luz. Nascido em Florença quando o seu pai era o grão-duque da Toscana, Francisco Habsburgo era capaz de tomar distância das situações mais complicadas ou dolorosas recorrendo a isso que os italianos chamam de leggerezza. Assim havia aceitado a morte de sua primeira esposa, uma jovem e belíssima princesa alemã por quem estava muito apaixonado. Maria Teresa, com quem havia se casado em segundas núpcias, era sua prima-irmã e primogénita dos dezassete filhos da arquiduquesa Maria Carolina, rainha consorte de Nápoles, irmã de Maria Antonieta e do pai de Francisco. Da sua mãe Maria Teresa havia herdado a predisposição à fertilidade e, por infelicidade para ela, o nariz e a boca, grandes demais em proporção ao rosto. Dizem que nem bem se casara e já se mostrara efusiva demais com seu marido para uma princesa, e por isso lhe foi atribuída uma natureza muito sensual. Algumas vozes maliciosas contavam que aos dezasseis anos, quando ainda vivia em Nápoles, ela havia engravidado e dado à luz uma menina. Mas é possível que se tratasse de um rumor posto em circulação para desacreditá-la. Tornar-se necessária ao marido nas pequenas coisas, como primeiro passo para depois sê-lo nas grandes, sempre havia sido um ardil de toda a princesa real que desejasse controlar o seu esposo, e isso talvez não tenha agradado muito aos austríacos. Com o passar dos dias de casado, Francisco havia notado, porém, que a sua mulher não só era fácil de tratar, como quase sempre estava de bom humor. Assim, pouco a pouco, Maria Teresa foi ganhando influência sobre ele. Em Dezembro de 1791 ela lhe deu o seu primeiro rebento, a arquiduquesa Maria Luísa, futura segunda esposa de Napoleão Bonaparte. A felicidade pelo nascimento da primogênita durou pouco, porque quatro meses depois a França revolucionária declarou guerra ao império dos Habsburgo». In Marsilio Cassotti, Imperatriz dona Leopoldina, Editora Manuscrito, 2015, ISBN 978-989-881-803-4.

Cortesia de EManuscrito/JDACT