quarta-feira, 2 de março de 2016

D. Pedro V. O seu Reinado. Júlio Vilhena. «Hoje tivemos o Conselho de Estado, e do que nele se passou lhe terão certamente já dado parte os seus colegas. Aconteceu o que acontece quando se juntam mais de duas pessoas, quer dizer foram tantas as opiniões quantas as pessoas»

Cortesia de wikipedia e jdact

De acordo com o original:

«(…) E assim, a rainha, a figura mais nobre que teve o país constitucional, a vítima dos ódios recíprocos dos estadistas do seu tempo, ensinava às senhoras portuguesas com os exemplos vindos do trono, como o amor das mães se compadece com a austeridade empregada na educação dos filhos. Ainda obedecendo ao plano que a rainha traçara para a educação do presuntivo herdeiro, percorrera Pedro, em duas viagens, quási todas as nações da Europa, estudando, apreciando e criticando sucessivamente tudo quanto vira, em dois Diários que, sem embargo dos descuidos de redacção em alguns pontos, devidos à pressa com que lançava no papel os seus apontamentos, revelam bem o alto critério e a grande ilustração do príncipe. Com esta preparação, e sendo certamente o talento mais precoce do seu tempo, e em todos os tempos raríssimo, compreende-se que pretendesse conhecer todos os negócios e quizesse impôr-se a toda a gente. Era este temperamento, em parte natural e em parte proveniente da educação recebida, compatível com o sistema constitucional, em que os ministros nunca podem ser meros instrumentos em mãos alheias, por mais competentes que sejam, visto, que são os únicos responsáveis pelos actos do governo? Certamente, não. E daí promanaram todos os desgostos do rei e, consequentemente, todos os ódios e rancores que o açulavam contra os homens que, conscientes do seu valor e dos seus direitos, resistiam às ordens do soberano, por vezes impertinentes.
Nos primeiros meses do reinado nenhum acontecimento extraordinário ocorreu. O novo rei herdara três questões internacionais de extrema gravidade e delas faremos a história na ocasião oportuna e quando estiverem apuradas em todos os seus incidentes. Estas questões eram a da concordata com a Santa Sé, a do Ambriz e ainda a da convenção com a Holanda a respeito de Timor e Solor. Todas preocuparam grandemente o ânimo do rei. Entretanto, os factos corriam com certa aparência de serenidade. Pedro V abria cuidadosamente as duas Caixas, e nenhum dos requerentes deixava de ter a desejada resposta no fim da semana. Em 18 de Outubro assinou Pedro V um decreto, demitindo do lugar de amanuense da Junta de Crédito Público Eduardo Mesquita Cabral Almeida, em vista da consulta da mesma Junta de 16, que participava haver conhecido que este empregado com inteiro esquecimento dos seus deveres duplicara uma porção de coupons que negociara e fora apresentada a pagamento. O decreto mandava também que a Junta remetesse à secretaria de estado todos os documentos comprovativos de tão desagradável ocorrência para se formar o competente processo afim de o delinquente ser punido com todo o rigor da lei. Chegados os documentos, pareceu que era caso para ouvir o conselho de Estado. O rei estuda a questão e escreve a Rodrigo Fonseca (24 de novembro): Hoje tivemos o Conselho de Estado, e do que nele se passou lhe terão certamente já dado parte os seus colegas. Aconteceu o que acontece quando se juntam mais de duas pessoas, quer dizer foram tantas as opiniões quantas as pessoas. No entretanto de cada um se aproveita o que for bom, e o Governo fará aquilo que em consciência entender. A questão divide-se em três pontos: o primeiro constitue a acusação á Junta pela sua pouca vigilância, e desleixo em proceder contra o delinquente; o segundo: devem ou não pagar-se os coupons falsos ou para falar com mais propriedade, duplicados; 3.° quais os meios a empregar para evitar a repetição de um caso semelhante? Sobre todos estes pontos discorreu-se largamente. A opinião de duas corporações muito respeitáveis, o banco e a associação comercial é, como sabe, que se paguem as obrigações dos coupons sem distinção de qualidade, para evitar o abalo do crédito que em tal caso, apesar das asserções em contrário, não pode deixar de se produzir. Este arbítrio talvez não seja o mais conforme com os princípios; talvez seja porem o mais prudente; e há casos em que a prudência dispensa certos princípios de uma natureza não inteiramente obrigatória. Lembram também estas corporações a vantagem de permittir a transferência dos coupons em inscripções de assentamento como meio de tranquilisar alguns mais escrupulosos. A questão principal, porém, oeste momento é a de saber se se devem ou não devem pagar os coupons falsos, e bom será resolvê-la quanto antes. Perdoe esta massada dada a quem ainda está doente; e eu aqui quasi estou ensinando o Padre Nosso ao vigário.
Este caso, depois de algumas soluções pouco aceitáveis que a Junta lhe deu, como a de obrigar os portadores a apresentarem os títulos com os próprios coupons, na ocasião do pagamento deles, veiu a ficar resolvido pelo decreto de 30 de Janeiro de 1856, que mandou trocar por outros títulos as inscrições ao portador e encerrado finalmente pela lei que mandou pagar aos credores do estado prejudicados. Não valeria a pena de falar nesta ocorrência, se não fosse a carta escrita pelo rei a Rodrigo Fonseca. Alem da perfeita observação que este documento revela, há a notar a claresa com que ele expõe o assunto e o interesse que lhe despertava qualquer incidente de administração. O que trazia absorvido o espírito público e o que dava cuidados ao rei era, naquele momento, a questão das subsistências e também a da cólera mórbus que, entre outros factos a que deu origem, ocasionou o encerramento da Universidade e o ficar o rei pouco bem visto pelos estudantes, em consequência da oposição que fez à concessão do perdão de acto». In Júlio de Vilhena, D. Pedro V, O Seu Reinado, Academia das Ciências de Lisboa, DP 664V55, 610415, 4755, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1921.

Cortesia da UCoimbra/JDACT