jdact e wikipedia
De acordo com o original
«(…) Aprecia a liberdade
de comércio nas crises de subsistências: As
vantagens da liberdade de comércio nesta questão, como em todas, são grandes e
reaes; mas pergunto se há casos em que as circunstâncias se revestem de uma tal
força que não lhes convenha obtemperar? Essas circunstâncias são, como muito
bem sabe, necessidades e prejuízos. Aqui entendo debaixo do nome de necessidades:
a difficuldade de comunicações entre uns pontos do reino e outros, a
consequente paralisação do Comércio interno, e o isolamento em que umas terras
menos favorecidas ficam relativamente a outras mais favorecidas. Absolutamente falando,
Lisboa é dos pontos mais favorecidos pela sua produção e pela facilidade de
exportação, mas estas circumstâncias estam-se hoje tornando contra ela para
assim dizer. Quanto aos prejuízos, bem sabemos, e a história está aí para
atestar a força que eles teem, a fortiori, quando eles invocam o auxilio
da fome, ou para falar com mais propriedade, da idea da fome.
E, por fim, estuda a
causa geral das crises: Amanhã terei o
gosto de vê-lo, e então poderemos falar mais largamente sobre este assuntto que
para mim não tem passado despercebido. Falando em geral, e não referindo-me
unicamente a Portugal, eu sustentaria, e com o auxílio de boas autoridades, que
a carestia na produção de 1855 é meramente relativa, e acha a sua explicação no
aumento de população do globo, desproporcionado para o aumento muito menos
rápido da cultura do solo. Além disso a questão do ouro, tão bem tratada no Jornal
dos Debates por Mr. M. Chevalier, não pode ser estranha a esta e é-lhe para
assim dizer correlativa; porque é um facto que o valor dos géneros, a respeito
dos quais não se dá a carestia que se dá com os cereais, tem crescido quási na
mesma rasão destes últimos. Em Novembro, Fontes partira para Londres e
Paris afim de acomodar os credores estrangeiros, queixosos pela conversão dos
títulos externos com redução de juros, e de abrir o Stock-Exchange à cotação dos nossos fundos, sem o que não lhe era
possível recorrer ao crédito de que absolutamente precisava para continuar a
construção das linhas férreas. A vida política ia, pois, animar-se com o
regresso de Fontes, que trazia projectos de natureza a despertarem, sem dúvida,
o interesse público.
No dia 31 de Dezembro lia, pela segunda ou terceira vez, o rei Pedro V o
projecto do discurso da Coroa que lhe enviara o seu ministro do Reino, Rodrigo Fonseca
Magalhães. Achava-o longo e desejava esclarecimentos sobre alguns pontos. Eu desejaria, escrevia o rei, em carta dessa
data (carta a Rodrigo Fonseca Magalhães, de 31 de Dezembro de 1885), não lhe causando
isso incómodo, que por aqui passasse pela volta do meio dia para me dar alguns
esclarecimentos, sobre alguns pontos em que se toca no Discurso do Trono. Se possível
fosse, eu desejaria que ele fosse mais breve, reservando-se os ministros nos seus
relatórios ás camaras a desenvolver os pontos a que nele se alude. Sobre isto falaremos,
se por aqui vier. Declaro que concordo com o teor do discurso. Só desejaria poder
dizer as cousas em menos palavras. Era o costume, o rei não aprovava nada sem
fazer objecções. Depois de prestados os esclarecimentos por parte do ministro e
feitas as necessárias amputações na longa e desataviada prosa, foi aberta a sessão
no dia 2 de Janeiro com as formalidades do estilo, não faltando o condestável
que então era o príncipe Luís, mais tarde rei com o nome de Luis I. Iniciava-se
a quarta sessão da legislatura e a primeira sessão parlamentar do novo reinado.
Não obstante o amor do rei à brevidade e ao laconismo, o discurso ocupa três colunas
no Diário do Governo. É como todos os
anteriores e como haviam de ser todos os que vieram no suceder dos anos: uma narração
fria, sem estilo, de factos ocorrentes no intervalo das sessões e de trabalhos a
fazer, conforme o programa do governo. Aquele género especial de literatura não
exigia mais.
O rei anunciava às Cortes o que elas já sabiam: que havia boas relações
entre Portugal e as outras potências; que prosseguiam as negociações para a concordata
quanto ao padroado português na Índia; que se tinham trocado as ratificações do
tratado de comércio e navegação com a República Argentina e da convenção com o Brasil
sobre moeda falsa; que recebera muitas congratulações pela sua ascensão ao trono;
que havia tranquilidade no país; que infelismente fora o território nacional invadido
pela colera-morbus, procedente das povoações de Hespanha fronteiras à raia, comunicando-se
primeiro aos distritos da Guarda e Bragança e depois às terras do norte e sul do
Reino; que foram, por virtude da epidemia, suspensos os estudos públicos em Coimbra,
mas que já se ordenara para este mês de Janeiro a sua continuação. Referindo-se
à situação da agricultura, falava da moléstia das videiras, e para consolar o povo
amigo do vinho, acrescentava que era de esperar que viesse a acontecer entre nós
o que já se observava em outros países: o decrescimento e a extinção do mal que
felizmente não ataca a vitalidade da planta». In Júlio de Vilhena, D.
Pedro V, O Seu Reinado, Academia das Ciências de Lisboa, DP 664V55, 610415,
4755, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1921.
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