segunda-feira, 21 de março de 2016

Um Rei Avesso à Política. Fernando II. Maria Antónia Lopes. «… actuava como se não desejasse o casamento para se proteger em Viena, ou, minava as negociações porque a sua verdadeira vontade era que fracassassem»

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A renitente autorização do pai
«(…) O príncipe Fernando Augusto, os pais e os irmãos partiram finalmente para Coburgo, em Novembro de 1835, onde as negociações decorreram entre os representantes das duas famílias reinantes, o ministro Carlowitz, pelo lado de Coburgo, e Lavradio pelo português. O barão de Stockmar, que já era e será uma presença constante e fiel dos Coburgos (Leopoldo, duquesa de Kent e mais tarde Alberto), foi enviado pelo rei dos Belgas como conselheiro do duque Fernando Jorge, assumindo a qualidade de plenipotenciário deste último. As negociações revelaram-se difíceis e penosas por um conjunto de razões que, melhor do que ninguém, Lavradio explica: em todas as discussões encontrei grandes dificuldades, em consequência do nenhum ou quase nenhum conhecimento que o duque Fernando e as outras pessoas, com quem eu era obrigado a tratar, tinham da história e legislação portuguesa e, em geral, da essência e formas dos governos constitucionais. Por isso, o rei Leopoldo tinha toda a razão quando fez o sobrinho passar uma temporada em Bruxelas, onde lhe ensinaram o que era reinar em regime constitucional.
Como ponto de partida das negociações, foi apresentado o contrato do primeiro casamento da rainha, assinado precisamente um ano antes. Mas os duques de Coburgo não estavam dispostos a aceirar as mesmas condições. Daremos aqui a palavra ao negociador português, testemunho precioso do que se passou: na segunda conferência [...] Carlowirz apresentou-me uma pretensão que muito me embaraçou. Depois de me haver observado que o príncipe Fernando deveria renunciar à dignidade de magnate da Hungria acrescentou que esta renúncia fazia perder ao príncipe uma renda de 400 000 florins anuais e que, portanto, para compensar este sacrifício, seria necessário que a dotação do príncipe fosse elevada a uma soma superior à de 50 000 000 [réis] (pouco mais ou menos 150 000 florins) que eu havia proposto. Depois de várias explicações que me foram necessárias dar a Carlowitz, conclui observando-lhe: 1.º que, nas circunstâncias actuais da Nação Portuguesa, me parecia que não seria possível conceder ao príncipe maior dotação do que aquela que eu havia oferecido; 2.º que, ainda quando fosse possível conceder ao príncipe maior dotação, me parecia inconveniente, nas actuais circunstâncias, pedi-la às cortes, pois este aumento, visto um precedente muito próximo, daria lugar a discussões que não só embaraçariam o governo, mas poderiam ser indecorosas para o príncipe. Carlowitz [...] replicou-me, observando-me que a situação do primeiro marido da rainha era muito diferente da do príncipe Fernando, pois que o primeiro podia conservar os seus bens, e o segundo não, visto a natureza deles, que o obrigavam a deveres políticos que ele não podia cumprir sem ofender a majestade do trono português. Como esta observação me pareceu atendível, propus, como meio de conciliação, que se ajuntasse à convenção um artigo pelo qual Sua Majestade se obrigasse, dados certos casos, que seriam marcados, a mandar pedir pelos ministros, às cortes, um aumento da dotação do príncipe. Esta lembrança excedia as minhas instruções, porém não comprometia o governo, e eu temia que o duque Fernando fizesse ainda mais exigências, não só pelo muito que zelava os interesses do filho, mas até como meio de demorar a conclusão da aliança, o que ele muito desejava.
O motivo da renúncia do príncipe Fernando Augusto à herança da mãe está esclarecido por Carlowitz, se dúvidas houvesse. É óbvio que, como marido da rainha de Portugal, nunca poderia ser súbdito do rei da Hungria (o imperador da Áustria), o que seria se mantivesse a sua qualidade de membro da Câmara dos Magnatas. Tal posição era impensável, tanto para Portugal, como para a rainha, como para o noivo e a sua família. A renúncia de Fernando Augusto de Saxe-Coburgo-Gotha à herança materna nada tem que ver com exigências portuguesas impostas à sua família, que não estava menos interessada em garantir a dignidade do futuro rei. Também não foi provocada por supostas leis húngaras que o inabilitavam e ainda menos por outras supostas leis portuguesas que impediam os consortes de herdar bens no estrangeiro. As manobras de dilação do duque Fernando Jorge podem ser explicadas por várias razões: actuava como se não desejasse o casamento para se proteger em Viena, ou, sem forças para se opor aos irmãos, minava as negociações porque a sua verdadeira vontade era que fracassassem. Pode ainda entender-se o seu comportamento (e aqui a explicação remete para um cenário antagónico) se pensarmos que quanto mais demorassem os ajustes, mais embaraçosa ficava a situação da rainha de Portugal, obrigando-a a ceder às suas exigências». In Maria Antónia Lopes, D. Fernando II, Um Rei Avesso à Política, Círculo de Leitores, 2013, ISBN 978-972-42-4894-3.

Cortesia de CL/JDACT