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António nasceu em 1531,
em Lisboa. Era filho do infante Luís e, portanto, neto do rei Manuel I. Pelo
lado masculino da família, não havia, pois, dúvidas acerca da realeza do sangue
que lhe corria nas veias; a polémica que no futuro se levantaria em torno da sua
pretensa legitimidade enquanto possível candidato ao trono prendia-se com a identidade
da mãe. Dona Violante Gomes tinha
por alcunha a Pelicana e, se uns
diziam que se tratava de uma mulher de famílias da pequena nobreza por quem o
infante Luís se teria apaixonado e com a qual casara em segredo, outros defendiam
que descendia, na verdade, de famílias judias e que era, portanto, uma cristã-nova.
Era uma acusação grave, tendo em conta que ainda não tinham passado assim tantos
anos desde que Manuel I expulsara do país os judeus e entregara as suas crianças
ao cuidado de famílias cristãs. Essa dúvida e o preconceito que acarretava, somados
ao facto do infante Luís ter sido prior da Ordem dos Hospitalários em Portugal,
estando por isso impossibilitado de casar sem especial dispensa do papa, fizeram
com que, durante muito tempo, António
não fosse olhado como mais do que um mero bastardo. Com a família real bem distribuída
por muitos filhos e filhas oficiais, nada levava a crer que, um dia, viesse a entrar
nas cogitações para o lugar de rei.
António cresceu rodeado de figuras religiosas,
desde logo o tio, cardeal Henrique, mas também frei Bartolomeu dos Mártires, seu
mentor durante a formação em Coimbra, e os padres jesuítas que o instruíram depois
em teologia, na cidade de Évora. Não estranhou, pois, que fosse ordenado
diácono, professasse na Ordem de Malta e recebesse, tal como o pai, o priorado
do Crato. Inesperado foi o que se passou depois: António recusa as ordens de presbítero e decide viver no século, ser
mundano ou, como outros dirão, devasso. O comportamento poderá explicar, porventura,
uma obra de 1592, intitulada Psalmi Confessionales,
verdadeiro acto de contricção cuja autoria é atribuída a António. Por agora, o
facto era este: tinha comprado uma guerra pela qual pagaria até ao fim dos seus
dias: em 1565, é expulso do priorado pelo papa Pio IV e ganha a inimizade
eterna do tio cardeal Henrique e de dona Catarina, a regente.
Com a
reputação desfeita dentro de portas, encontra-se uma saída airosa para o neto do
rei Manuel I: é nomeado governador de Tânger e, em breve, estava de partida para
África, a fim de assumir as novas funções. E é justamente em África que se encontrará
com o momento determinante da sua vida e da História do país... A 4 de Agosto de
1578,
António de Portugal é um dos 16 000 soldados
que sobrevivem ao horror de Alcácer Quibir. Um dos 16 000 que vêem morrer 9000 companheiros
e desaparecer o rei Sebastião. Um dos 16 000 que caem em mãos inimigas e são lançados
nos calabouços do sultão. A ascendência real e os cargos que tinha ocupado
faziam dele um dos prisioneiros mais preciosos de todo o lote, mas, com astúcia
e muita fortuna, António conseguiria
convencer os captores precisamente do contrário. De que se tratava de um dos mais
pobres e anónimos soldados portugueses, acabando por ser um dos primeiros a obter
a libertação e a troco de um resgate bem mais pequeno do que pagariam os familiares
de muitos companheiros. Como sabemos, o rei Sebastião tinha desaparecido sem deixar
descendência. Aliás, tinha desaparecido levando consigo a dinastia de Avis,
pois o pai havia já morrido, bem como o avô e todos os tios. Para encontrar o novo
rei de Portugal era, pois, necessário que se saltasse para fora da ortodoxia e rezar
para que tudo corresse bem. António,
acabado de regressar ao país, apresenta logo uma primeira candidatura ao trono,
mas a pretensão é-lhe prontamente negada pelo regente: o seu tio e inimigo de
estimação, cardeal Henrique». In Alexandre Borges, Histórias Secretas de
Reis Portugueses, Casa das Letras, Lisboa, 2012, ISBN 978-972-46-2131-9.
Cortesia
CdasLetras/JDACT