domingo, 13 de março de 2016

Carla Alferes Pinto: A Infanta dona Maria de Portugal, o Mecenato de uma Princesa Renascentista. «… após a morte do rei-cardeal Henrique, são ambos leais apoiantes, a ponto de Filipe I nunca os ter perdoado, da subida ao trono de António, Prior do Crato, 18º rei de Portugal, sobrinho dilecto da Infanta»

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A Sereníssima Infanta Dona Maria. A sua casa e fortuna
«(…) É muito provável que o palácio do Campo de Santa Clara tenha uma construção muito tardia, certamente da década de 60, correspondendo ao pedido de desanexação de uma parte da freguesia de Santo Estevão de Alfama. O programa arquitectónico que a Infanta lidera junto do mosteiro das Clarissas, construindo um palácio ao lado do secular mosteiro e uma igreja paroquial, projecta um ambicioso propósito político, que tem correspondência no desenvolvimento urbanístico que proporciona. O palácio de Santos-o-Novo fará, talvez, parte deste desenvolvimento, estabelecendo uma ancestral continuidade entre as três mais significativas casas religiosas a oriente da cidade de Lisboa: os mosteiros das Clarissas do Campo de Santa Clara e de Xabregas e o convento agostinho, que herdara a memória e simbólica do ancestral templo de vestais de Lisboa. Em Santa Clara, a Infanta afirmava o seu poder precursor e, ao mesmo tempo, o distanciamento da política da Ribeira; em Xabregas (não podemos esquecer que no testamento dona Maria pediu para que o seu corpo fosse depositado aqui, enquanto aguardava a conclusão da capela-mausoléu da Luz), tinha a presença da venerada e tutelar imagem da tia Leonor; e em Santos-o-Novo, sob a influência directa de Chelas e da mitológica fundação da cidade por Ulisses, que ao ver-se perseguido pelo desfavor dos deuses procura abrigo num templo de vestais, que a historiografia cristã apropria virtuosamente (a reedificação e melhorias seiscentistas do convento é feita sobre o patrocínio, talvez não inocente, do arcebispo Miguel Castro, responsável pela gestão da fortuna da Infanta e pelo busto-relicário de Santa Engrácia),dona Maria reforçava a imagem do seu virginal sacrifício pela continuidade dinástica e política dos Avis.
Tão vasta fortuna e palácios proporcionavam à Infanta uma casa rica na qual tinham lugar alguns dos membros das melhores famílias do Portugal de Quinhentos. Em 1567, o cronista oficial da corte dava notícia deste facto: traz tam honrrada casa de criados, damas, e outros familiares, que pera se dizer que he igual a todalas Rainhas Deuropa, lhe nam falta mais que o nome de huma dellas.  A lista dos moradores da casa da Infanta não se encontra completa. A documentação disponível tem inúmeras lacunas e acaba, misteriosamente, no início dos anos 40. Nela constam alguns nomes que fazem parte da galeria de personagens célebres do século XVI: Paula Vicente e o seu irmão João, as filhas de Joana de Blasfer e de Francisco Gusmão, Constança, Maria e Luísa (Constança Gusmão e Maria Gusmão ou, segundo alguns autores, de Blasfet, aparecem nos róis de moradias de dona Maria, ainda que a moradia da primeira venha, normalmente, sob o nome da irmã, repetido, tratando-se de um óbvio engano; o nome de Luísa não aparece, talvez, por ser a mais nova das três e ter entrada ao serviço da Infanta em data posterior a 1543, pois não nos parece que Luísa Gusmão estivesse ao serviço de qualquer outra senhora. Luísa Gusmão casou com o 2.º conde de Vimioso, Afonso Portugal, que acompanha a Infanta à raia alentejana no ano de 1558 quando vai ao encontro da mãe e recebe, por isso, particulares mercês, e após a morte do rei-cardeal Henrique, são ambos leais apoiantes, a ponto de Filipe I nunca os ter perdoado, da subida ao trono de António, Prior do Crato, 18º rei de Portugal, sobrinho dilecto da Infanta. Constança será a mais velha das três, uma vez que se torna camareira-mor da Infanta à morte da mãe, Joana Blasfet; casou com Pedro Menezes, que morreu em 1553, em Ceuta, onde era capitão; deste casamento nasceu António Menezes que mais tarde casou com dona Joana Lencastre, filha de Jerónimo Castro, e cujo filho Pedro vem mencionado em vários róis de tenças; maria casou com Francisco Coutinho, 3.º conde do Redondo, e teve três filhas: a célebre Guiomar Blasfet, a quem Camões dedicou inúmeros versos apaixonados, que casou com Simão Menezes, senhor do Louriçal; Joana Gusmão, que casou com o l.º conde de Vila Franca, Rui Gonçalves Câmara; e, por fim, Isabel Henriques, que casou com Afonso Lençastre), ou ainda o ourives real Baltasar Cornejo (consta num rol datado de 1529, quando a Infanta contava 8 anos, tratando-se, portanto, de um pagamento extraordinário por qualquer serviço executado por intervenção da rainha e não de um criado da sua casa). Contudo, os róis são omissos em nomes como os das irmãs Sigeia, Luísa e Ângela, Hortênsia Castro ou Francisco Gusmão, cuja certeza enquanto membros da casa da Infanta se confirma pela documentação oficial (é a própria Luísa que anos mais tarde afirmava ter sido alumna, ou seja, alimentada, beneficiada da Infanta; Hortênsia consta no rol de tenças a serem atribuídas à morte da Infanta, como dama da câmara; lembramos que Carlos V recorre a Francisco Gusmão para obter informações da Infanta mais de uma vez; a documentação do rei João III também o atesta, num alvará de 1554, o rei concede a Luís Gusmão, filho de Joana Blasfet e Francisco Gusmão, uma tença de 50 mil réis pelos serviços dos pais à infanta dona Maria)». In Carla Alferes Pinto, A Infanta Dona Maria de Portugal, o Mecenato de uma Princesa Renascentista, Fundação Oriente, 1998, ISBN 972-9440-90-5.

Cortesia da FOriente/JDACT