domingo, 6 de março de 2016

O Tesouro do Templo. Eliette Abécassis. «A vítima era um arqueólogo que procedia a escavações em Israel. Procurava o tesouro do Templo, seguindo indicações exactas de um manuscrito do mar Morto...»

jdact e wikipedia

«Foi no ano de 5761, a 16 do mês de Nissan, ou, para quem preferir, a 21 de Abril de 2000, trinta e três anos após o meu nascimento. Nas terras de Israel, mais precisamente no meio do belo deserto da Judeia, perto de Jerusalém, alguém encontrou o corpo de um homem assassinado em circunstâncias algo estranhas. Depois de amarrado e colocado sobre um altar de pedra, haviam-no degolado e queimado. A sua carne, parcialmente calcinada, deixava os ossos à vista. O que restara da sua túnica de linho branco e o turbante que lhe cobria a cabeça estavam manchados de sangue. Sobre o altar de pedra, viam-se sete linhas ensanguentadas, feitas pela mão do criminoso. Aquele homem fora sacrificado como um animal. Haviam-no deixado naquele estado, com os braços cruzados e o pescoço aberto. Shimon Delam, antigo general do exército israelita e actual director do Shin Beth, os serviços secretos para os Assuntos Internos, fora visitar meu pai, David Cohen, para lhe pedir auxílio. Meu pai, paleógrafo de rolos antigos, e eu Ary Cohen trabalháramos juntos para Shimon, dois anos antes, a fim de ajudá-lo a deslindar o enigma de um manuscrito desaparecido, a que estavam associadas misteriosas crucificações. Depois de lhe explicar a situação, Shimon dissera: David, se recorro novamente a ti, é porque..., é porque não sabes a quem mais pedir ajuda atalhara o meu pai. E porque os polícias pouco ou nada conhecem acerca de rituais que envolvam sacrifícios ou sobre o deserto da Judeia. Menos ainda quando se trata de sacrifícios de seres humanos... Tens de reconhecer que tudo isso nos remete para um período muito longínquo da História. Dito aquilo, Shimon estendera um pequeno saco de plástico preto a meu pai. É um revólver, comentara este, depois de examinar o conteúdo do saco de plástico, de calibre sete sessenta e cinco. Este caso pode levar-nos muito longe, e não estou a referir-me ao deserto da Judeia, nem tão-pouco à história dessa região. Falo da segurança do Estado de Israel. Podes ser mais explícito? Actualmente, existe grande tensão nas nossas fronteiras. Tivemos conhecimento de movimentos de tropas, no Sul da Síria. Avizinha-se uma guerra, mas não sei onde rebentará nem como. E este homicídio pode ser o primeiro sinal. O primeiro sinal..., murmurara meu pai. Ignorava que acreditavas em sinais... E não acredito, replicara Shimon. A CIA também não e, no entanto, estamos de acordo. Segundo as nossas investigações, o punhal, ou melhor, a arma do crime, que se achava perto do cadáver, terá sido feita na Síria, no século doze. No século doze..., repetira meu pai.
A vítima era um arqueólogo que procedia a escavações em Israel. Procurava o tesouro do Templo, seguindo indicações exactas de um manuscrito do mar Morto... Estás a referir-te ao Rolo de Cobre? Exactamente. Meu pai não pudera reprimir um sorriso. Sempre que Shimon empregava o advérbio exactamente, isso significava que a situação era grave. Sabemos que o objectivo secreto desse arqueólogo era construir o Terceiro Templo, e que tinha inimigos... Mas tu conheces-me: sou um militar e os motivos mais profundos deste crime ultrapassam-me. É melhor passares aos factos, aconselhara meu pai. Não é uma missão igual às outras. É por isso que preciso de um homem que conheça a fundo a Bíblia e que, se for necessário, não receie lutar. Preciso de alguém que seja, ao mesmo tempo, um sábio e um soldado. Shimon olhara para meu pai, em silêncio, durante alguns segundos e, enquanto mordiscava tranquilamente um palito, concluíra, por fim: Preciso de Ary, o Leão.

Primeiro rolo. O rolo do crime
«Sejam fortes e firmes, ó bravos soldados Não tremam! Não voltem as costas! Pois, atrás de vós, acha-se a comunidade do crime e nas trevas residem todos os seus actos e as trevas são a sua paixão a vaidade, o seu refúgio, mas o seu poder, tal como o fumo, desvanecer-se-á, todo o seu exército desaparecerá e o universo da sua essência depressa murchará. Sejam firmes para o combate pois é agora que advém a obra de Deus contra os espíritos do crime. Rolos de Qumran regulamento da Guerra».

Sou Ary, o escriba. Sou Ary Cohen, filho de David. Há alguns anos, vivia entre vós. Tal como os meus amigos, viajava até países distantes, saía à noite, frequentava os bares de Telavive e também cumpri o serviço militar na terra de Israel. Até que um dia larguei as minhas vestes citadinas e retirei-me para o deserto da Judeia, às portas de Jerusalém, mais precisamente para os penhascos de um local recôndito chamado Qumran. Na quietude do deserto, levo uma existência austera, alimentando o meu espírito, mas não o meu corpo. Sou escriba. Tal como os meus antepassados, trago à cintura um cinto, do qual pendem uma caixa de junco, com aparos e pincéis, e um canivete, que utilizo para raspar o couro. Aliso-o com esse canivete, para eliminar as manchas e as rugosidades e obter um polimento poroso, que absorverá a tinta sem a deixar espalhar-se. A fim de gravar as letras, uso penas de ganso, mais finas do que os meus aparos de madeira, já muito gastos. Escolho-as cuidadosamente por entre os despojos das aves que são criadas no kibutz mais próximo de Qumran. Prefiro as da asa esquerda, que deixo imersas em água várias horas até amolecerem, antes de ficarem secas e tornarem a endurecer nas areias escaldantes do deserto. Por fim, afio-as com o meu canivete. Pego, então, no meu tinteiro, que contém um recipiente para a água e outro para a tinta; misturo-as num frasco e começo: a minha vida é-me arrancada e levada para longe como a tenda de um pastor. Gravo cada letra em pergaminhos amarelecidos, como as páginas de livros ancestrais, lidas, tocadas, viradas, ano após ano, século após século, milénio após milênio. Escrevo todos os dias e também de noite. Agora, gostaria de contar a minha história, um episódio aterrorizador do qual fui o protagonista. Não se trata de um acaso se, no início da minha aventura, há uma citação da Bíblia, pois foi no Livro Sagrado que vi o amor e a marca de Deus, mas também a violência e, sim, o verbo ser. Ó filhos, escutai-me e tirar-vos-ei as vendas dos olhos para que vos seja possível ver e compreender os actos do Senhor». In Eliette Abécassis, O Tesouro do Templo, 2001, tradução de Catarina Lima, Círculo de Leitores, ISBN 972-423-086-4, Editora Livros do Brasil, Colecção Suores Frios, 2003, ISBN 978-972-382-671-5.

Cortesia de CL/ELBrasil/JDACT