jdact e wikipedia
«Foi no ano de 5761, a 16 do mês de Nissan,
ou, para quem preferir, a 21 de Abril de 2000, trinta e três anos após o meu
nascimento. Nas terras de Israel, mais precisamente no meio do belo deserto da
Judeia, perto de Jerusalém, alguém encontrou o corpo de um homem assassinado em
circunstâncias algo estranhas. Depois de amarrado e colocado sobre um altar de
pedra, haviam-no degolado e queimado. A sua carne, parcialmente calcinada,
deixava os ossos à vista. O que restara da sua túnica de linho branco e o
turbante que lhe cobria a cabeça estavam manchados de sangue. Sobre o altar de
pedra, viam-se sete linhas ensanguentadas, feitas pela mão do criminoso. Aquele
homem fora sacrificado como um animal. Haviam-no deixado naquele estado, com os
braços cruzados e o pescoço aberto. Shimon Delam, antigo general do exército
israelita e actual director do Shin Beth, os serviços secretos para os Assuntos
Internos, fora visitar meu pai, David Cohen, para lhe pedir auxílio. Meu pai,
paleógrafo de rolos antigos, e eu Ary Cohen trabalháramos juntos para Shimon,
dois anos antes, a fim de ajudá-lo a deslindar o enigma de um manuscrito
desaparecido, a que estavam associadas misteriosas crucificações. Depois de lhe
explicar a situação, Shimon dissera: David, se recorro novamente a ti, é
porque..., é porque não sabes a quem mais pedir ajuda atalhara o meu pai. E
porque os polícias pouco ou nada conhecem acerca de rituais que envolvam sacrifícios
ou sobre o deserto da Judeia. Menos ainda quando se trata de sacrifícios de
seres humanos... Tens de reconhecer que tudo isso nos remete para um período
muito longínquo da História. Dito aquilo, Shimon estendera um pequeno saco de
plástico preto a meu pai. É um revólver, comentara este, depois de examinar o
conteúdo do saco de plástico, de calibre sete sessenta e cinco. Este caso pode
levar-nos muito longe, e não estou a referir-me ao deserto da Judeia, nem
tão-pouco à história dessa região. Falo da segurança do Estado de Israel. Podes
ser mais explícito? Actualmente, existe grande tensão nas nossas fronteiras.
Tivemos conhecimento de movimentos de tropas, no Sul da Síria. Avizinha-se uma
guerra, mas não sei onde rebentará nem como. E este homicídio pode ser o
primeiro sinal. O primeiro sinal..., murmurara meu pai. Ignorava que
acreditavas em sinais... E não acredito, replicara Shimon. A CIA também não e,
no entanto, estamos de acordo. Segundo as nossas investigações, o punhal, ou
melhor, a arma do crime, que se achava perto do cadáver, terá sido feita na
Síria, no século doze. No século doze..., repetira meu pai.
A vítima era um arqueólogo que procedia a escavações
em Israel. Procurava o tesouro do Templo, seguindo indicações exactas de um
manuscrito do mar Morto... Estás a referir-te ao Rolo de Cobre? Exactamente. Meu
pai não pudera reprimir um sorriso. Sempre que Shimon empregava o advérbio exactamente,
isso significava que a situação era grave. Sabemos que o objectivo secreto
desse arqueólogo era construir o Terceiro Templo, e que tinha inimigos... Mas
tu conheces-me: sou um militar e os motivos mais profundos deste crime
ultrapassam-me. É melhor passares aos factos, aconselhara meu pai. Não é uma
missão igual às outras. É por isso que preciso de um homem que conheça a fundo
a Bíblia e que, se for necessário, não receie lutar. Preciso de alguém que
seja, ao mesmo tempo, um sábio e um soldado. Shimon olhara para meu pai, em
silêncio, durante alguns segundos e, enquanto mordiscava tranquilamente um
palito, concluíra, por fim: Preciso de Ary, o Leão.
Primeiro rolo. O
rolo do crime
«Sejam fortes e firmes, ó bravos soldados Não
tremam! Não voltem as costas! Pois, atrás de vós, acha-se a comunidade do crime
e nas trevas residem todos os seus actos e as trevas são a sua paixão a
vaidade, o seu refúgio, mas o seu poder, tal como o fumo, desvanecer-se-á, todo
o seu exército desaparecerá e o universo da sua essência depressa murchará. Sejam
firmes para o combate pois é agora que advém a obra de Deus contra os espíritos
do crime. Rolos de Qumran regulamento da Guerra».
Sou Ary, o escriba. Sou Ary Cohen, filho de David.
Há alguns anos, vivia entre vós. Tal como os meus amigos, viajava até países
distantes, saía à noite, frequentava os bares de Telavive e também cumpri o serviço
militar na terra de Israel. Até que um dia larguei as minhas vestes citadinas e
retirei-me para o deserto da Judeia, às portas de Jerusalém, mais precisamente
para os penhascos de um local recôndito chamado Qumran. Na quietude do deserto,
levo uma existência austera, alimentando o meu espírito, mas não o meu corpo.
Sou escriba. Tal como os meus antepassados, trago à cintura um cinto, do qual
pendem uma caixa de junco, com aparos e pincéis, e um canivete, que utilizo
para raspar o couro. Aliso-o com esse canivete, para eliminar as manchas e as
rugosidades e obter um polimento poroso, que absorverá a tinta sem a deixar
espalhar-se. A fim de gravar as letras, uso penas de ganso, mais finas do que
os meus aparos de madeira, já muito gastos. Escolho-as cuidadosamente por entre
os despojos das aves que são criadas no kibutz mais próximo de Qumran. Prefiro
as da asa esquerda, que deixo imersas em água várias horas até amolecerem,
antes de ficarem secas e tornarem a endurecer nas areias escaldantes do
deserto. Por fim, afio-as com o meu canivete. Pego, então, no meu tinteiro, que
contém um recipiente para a água e outro para a tinta; misturo-as num frasco e
começo: a minha vida é-me arrancada e levada para longe como a tenda de um
pastor. Gravo cada letra em pergaminhos amarelecidos, como as páginas de
livros ancestrais, lidas, tocadas, viradas, ano após ano, século após século,
milénio após milênio. Escrevo todos os dias e também de noite. Agora, gostaria
de contar a minha história, um episódio aterrorizador do qual fui o
protagonista. Não se trata de um acaso se, no início da minha aventura, há uma
citação da Bíblia, pois foi no Livro Sagrado que vi o amor e a marca de Deus,
mas também a violência e, sim, o verbo ser. Ó filhos, escutai-me e tirar-vos-ei as vendas dos olhos para que vos
seja possível ver e compreender os actos do Senhor». In Eliette Abécassis, O Tesouro do Templo,
2001, tradução de Catarina Lima, Círculo de Leitores, ISBN 972-423-086-4, Editora
Livros do Brasil, Colecção Suores Frios, 2003, ISBN 978-972-382-671-5.
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