domingo, 1 de novembro de 2015

23 de Maio de 1179. João Paulo O. Costa. «Portugal demonstrava capacidades para se manter como reino independente e, por coincidência, na mesma ocasião em que Alexandre III emitia a bula, em Roma»

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A bula Manifesti Probatum Est
«Em 1143, Afonso Henriques escrevera ao papa, prestando-lhe vassalagem. No entanto, como vimos, a independência então obtida ainda tinha pouca credibilidade, mesmo aos olhos do vizinho leonês, e a santa sé comungou dessas dúvidas nas décadas seguintes. Assim, ao longo de trinta e cinco anos, a chancelaria da cúria papal continuou a designar o monarca português como dux, até que o papa Alexandre III cedeu e atribuiu ao velho guerreiro o título de rex. O reino de Portugal tornava-se finalmente num membro de pleno direito da cristandade. Depois de vencer pela espada, afirmava-se pelo Direito Internacional. Várias causas terão concorrido para que a santa sé concedesse então o título régio a Afonso Henriques. Em primeiro lugar, deve notar-se que o monarca fez chegar a Roma um tributo mais avultado duplicando o valor inicial, o que nos mostra que o Conquistador sempre entendeu que o reconhecimento papal era uma peça crucial do processo político e diplomático de afirmação do reino de Portugal no contexto da cristandade.
Nesta ocasião, também a conjuntura peninsular justificava o fim da resistência romana, pois todos os soberanos peninsulares já reconheciam o português como rex, e o sonho de uma unidade imperial hispânica se esfumara. Aliás, a coroa portuguesa vira crescer a sua legitimidade quando os membros da família real passaram a ter credibilidade para se consorciar com membros de outras casas reinantes na Hispânia. Afonso Henriques tardara em casar e não lograra obter por esposa uma princesa, mas apenas a filha do conde de Saboia, num sinal óbvio de que o seu estatuto internacional ainda não o colocava numa dimensão régia, mas depois a situação alterou-se e em 1165 o rei Fernando II de Leão casou-se com dona Urraca, filha de Afonso Henriques; depois, em 1174, Sancho I celebrou matrimónio com dona Dulce, irmã do rei Afonso II de Aragão. A1ém disso, em 1179 o poder dos Almóadas crescia e os príncipes cristãos estavam cientes de que a continuidade da cruzada do Ocidente assentava na existência de vários potentados fortes. Portugal era, pois, uma peça indispensável, ainda que o seu carácter periférico contribuísse para não ser considerado em muitas das negociações entre as outras monarquias peninsulares.
Finalmente, o próprio herdeiro da Coroa, que era cunhado do rei de Aragão, mostrara a sua capacidade para prosseguir a guerra contra os mouros, ao chefiar um fossado que levara as armas de Portugal aos arrabaldes de Sevilha, no final do ano anterior. Portugal demonstrava capacidades para se manter como reino independente e, por coincidência, na mesma ocasião em que Alexandre III emitia a bula, em Roma, el-rei Afonso Henriques assinava as cartas de foral de Coimbra, Santarém e Lisboa, em sinal de que estes burgos eram polos de desenvolvimento económico, habitados por comunidades dinâmicas e em crescimento..., como o próprio país. A longevidade do fundador permitiu-lhe assim assistir ainda à consagração final da obra a que dedicou toda a sua vida». In João Paulo Oliveira Costa, Episódios da Monarquia Portuguesa, Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2013, ISBN 978-989-644-248-4.

Cortesia de CL/TDebates/JDACT