Manuscrito 17202
Episódio 1: O encontro
(…) Primeiras impressões. Oração de José
pela transformação de Assenat. Se
esta história se refere na realidade às figuras bíblicas José e Assenat, este
texto levanta logo problemas. Assenat avança rapidamente para o centro do
palco, enquanto a Bíblia faz de José a figura principal. Na narrativa bíblica,
José é traído pelos irmãos e vendido como escravo no Egipto. O Livro do Génesis
diz-nos que os irmãos de José tinham inveja do amor do pai por ele. Afinal,
como sinal do seu afecto, o patriarca Jacob dera ao filho um manto
multicolorido. Na história bíblica, depois de uma série de provações, incluindo
a tentação sexual e a prisão, José trabalha e é promovido até se tornar a
segunda figura mais poderosa do Egipto, a seguir ao faraó. No Livro do Génesis,
o faraó dá a José uma mulher egípcia, Assenat. Esta é filha de Potifera,
sacerdote de On. Deste modo, pelo casamento, José entra para uma influente
família de sacerdotes. Com o tempo, têm dois filhos: Manassés e Efraim. Isto é
tudo o que ficamos a saber sobre Assenat no texto bíblico. É apenas mencionada
e depois desaparece. O que a Bíblia nos diz é que Assenat é filha de um
sacerdote egípcio, que foi dada em casamento a José e que lhe deu dois filhos.
Não temos qualquer informação acerca do seu aspecto, crenças, personalidade,
valores ou carácter. Não há nada que nos indique que era uma pessoa importante
ou que desempenhasse um papel decisivo na história humana.
Por outro lado, José e Assenat
transporta-nos de imediato para um território diferente, simultaneamente casto
e sensual. Esta Assenat é uma mulher atraente com opiniões próprias. É uma
personalidade forte e as suas percepções e reacções relativas a José
destacam-se de forma proeminente. Os pais respeitam os seus desejos. Embora
Assenat seja egípcia, é descrita como tendo as virtudes das matriarcas
israelitas, comparável a Sara, Rebeca e Raquel. Os manuscritos gregos mais
tardios salientam as suas características judaicas: E esta [jovem] nada tinha
de semelhante às virgens dos egípcios, mas era, em todos os aspectos,
semelhante às filhas dos hebreus.
Porquê a insistência nas suas qualidades
judaicas? A Assenat bíblica não viveu entre israelitas. Talvez o nosso
manuscrito se refira a uma mulher que viveu no meio deles? Por outro lado, no
nosso documento, a impressionante propriedade do pai de Assenat é descrita em
pormenor: uma casa, um jardim, muros e, o mais importante, uma torre onde
Assenat vive. Estes factos, aparentemente irrelevantes, terão um significado
mais profundo? Depois de alguma hesitação inicial, Assenat é atraída por José e
é preparada para ser a Noiva de Deus. Esta é uma linguagem estranha a respeito
de um vulgar casamento humano, se, de facto, é disso que se trata. Na Bíblia,
José é hebreu, o antepassado de duas das doze tribos israelitas do mundo
antigo. Pelo contrário, a linguagem que o descreve no manuscrito José e Assenat
não é hebraica. Na tradição judaica, nunca nenhum ser humano seria descrito como
Deus, ou uma Noiva de Deus. Neste texto, Assenat é a noiva divina [e] José é o
seu noivo. Se este texto fosse judaico, esta ideia seria uma enorme blasfémia.
Como comentou Erwin Goodenough: as
tradições cristãs dos primeiros séculos, tal como são recolhidas nos escritores
cristãos, não referem escritos contemporâneos de um único judeu. Por outras
palavras, visto do lado cristão, é improvável que José e Assenat seja um texto
judaico. Nas palavras de Ross S. Kraemer, existe uma total ausência de qualquer
conhecimento desta história de Assenat nas fontes judaicas primitivas. Mas, se
não é judeu, é cristão? A tentativa para localizar as pessoas que escreveram
este texto é decisiva para compreender o manuscrito. Precisamos de perceber a
comunidade original de onde ele saiu. Portanto, examinemos como é descrito José.
Para começar, o aspecto físico é traçado com muito mais pormenores do que no
Génesis. Aqui, ele enverga não o manto multicolorido de um hebreu nem o
vestuário de um egípcio, mas uma túnica branca e um manto púrpura, evocando os
atavios de um imperador romano. Além disso, está adornado com uma coroa, e doze
raios de luz emanam da sua cabeça. Tem um ceptro na mão. Dificilmente seriam
pormenores acidentais. Mas o que significam? José obedece à Tora (isto é,
observa as leis dos Cinco Livros de Moisés) e é sério acerca da sua religião». In
Simcha Jacobovici e Barrie Wilson, A Vida Privada de Jesus, 2014, tradução
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