«…
estou deitado sobre a minha ausência, como poderia estar deitado se existisse.
Amanhã as ondas imitar-me-ão na praia…»
Arte
Poética
«(…)
ainda que tu estejas aí e tu estejas aí e
eu
esteja aqui estaremos sempre no
mesmo
sítio se fecharmos os olhos
serás
sempre tu e tu que me ensinarás
a nadar
seremos sempre nós sob
o sol
morno de Julho e o véu ténue
do nosso
silêncio rerá sempre o
teu e
o teu e o meu sorriso a cair
e a gritar
de alegria ao mergulhar
na
água ao procurar um abraço que
não
precisa de ser dado serão
sempre
os teus e os teus e os meus
cabelos
molhados na respiração
suave
das parreiras sempre as tuas
e as
tuas e as minhas mãos que não
precisam
de se dar para se sentir
ainda
que tu estejas aí e tu estejas aí e
eu
esteja aqui estaremos sempre
juntos
nesta tarde de sol de Julho
a nadarmos
sob o planar sereno dos
pombos
no tanque pouco fundo da
nossa
horta sempre no tanque fresco
da horta
que construíram para nós
para
que na vida pudéssemos ser
mana
e mana e mano para sempre
o teu
sono anoiteceu mais que a noite
e hei-de
escrever-te sempre sem que nunca
te escreva
sei as palavras que fechaste
nos olhos
mas não sei as letras de as dizer
ensina-me
de novo se ensinares-me for
ir ter
contigo ao teu sorriso ensina-me
a
nascer para onde dormes que me perco
tantas
vezes numa noite demasiado pequena
para
o teu sono num silêncio demasiado fundo
dormes
e tento levantar a pedra que te
cobre
maior que a noite o peso da pedra que
te cobre
e tento encontrar-te mais uma vez
nas palavras
que te dizem só para mim
o teu
sono anoiteceu mais que as mortes
que
posso suportar e hei-de escrever-te
sempre
e mais uma vez sozinho nesta noite»
Poema
de José Luís Peixoto, in ‘A Criança
em Ruínas’
Cortesia
de Quetzal/JDACT