O
antisemitismo como uma ofensa ao bom senso
«(…) Noutras palavras, se o número
de pessoas que acreditam na veracidade de uma fraude tão evidente como os
Protocolos dos sábios do Sião é bastante elevado para dar a essa fraude o foro
do dogma de todo um movimento político, a tarefa do historiador já não consiste
em descobrir a fraude, pois o facto de tantos acreditarem nela é mais
importante do que a circunstância (historicamente secundária) de se tratar de
uma fraude. A explicação tipo bode expiatório escamoteia, portanto, a seriedade
do antisemitismo e da importância das razões pelas quais os judeus foram
atirados ao centro dos acontecimentos. Igualmente disseminada é a doutrina do
eterno antisemitismo, na qual o ódio aos judeus é apresentado como reacção
normal e natural, e que se manifesta com maior ou menor virulência segundo o
desenrolar da história. Assim, as explosões do antisemitismo parecem não
requerer explicação especial, como consequências naturais de um problema
eterno. É perfeitamente natural que os antisemitas profissionais adoptassem
essa doutrina: é o melhor álibi possível para todos os horrores. Se é verdade
que a humanidade tem insistido em assassinar judeus durante mais de 2 mil anos,
então a matança de judeus é uma ocupação normal e até mesmo humana, e o ódio
aos judeus fica justificado, sem necessitar de argumentos. O aspecto mais
surpreendente dessa premissa é o facto de haver sido adoptada por muitos historiadores
imparciais e até por um elevado número de judeus. Essa estranha coincidência torna
a teoria perigosa e desconcertante. Em ambos os casos, o seu escapismo é
evidente: como os antisemitas desejam fugir à responsabilidade dos seus feitos,
também os judeus, atacados e na defensiva, ainda mais naturalmente recusam, sob
qualquer circunstância, discutir a sua parcela de responsabilidade.
Contudo, as tendências escapistas dos apologistas oficiais baseiam-se em motivos
mais importantes e menos racionais.
O aparecimento e o crescimento do
antisemitismo moderno foram concomitantes e interligados à assimilação judaica,
e ao processo de secularização e fenecimento dos antigos valores religiosos e
espirituais do judaísmo. Vastas parcelas do povo judeu foram, ao mesmo tempo, ameaçadas
externamente de extinção física e, internamente, de dissolução. Nessas
condições, os judeus que se preocupavam com a sobrevivência do seu povo
descobriram, num curioso e desesperado erro de interpretação, a ideia
consoladora de que o antisemitismo, afinal de contas, podia ser um excelente
meio de manter o povo unido, de sorte que na existência de antissemitismo eterno
estaria a eterna garantia da existência judaica. Essa atitude decerto supersticiosa,
relacionada com a fé na sua eleição por Deus e com a esperança messiânica, era
fortalecida pelo real facto de ter sido a hostilidade cristã, para os judeus,
autêntico factor que, durante muitos séculos, desempenhava o papel do poderoso
agente preservador, espiritual e político. Os judeus confundem o moderno antisemitismo
com o antigo ódio religioso antijudaico. Esse erro é compreensível: na sua assimilação,
processada à margem do cristianismo, os judeus desconheciam-lhe o aspecto
religioso e cultural. Enfrentando o cristianismo em declínio, os judeus podiam
imaginar, em toda a inocência, que o antissemitismo correspondia a uma espécie
de retrocesso, à medieval e anacrónica Idade das Trevas. A ignorância, ou a
incompreensão do seu próprio passado, foi, em parte, responsável pela fatal
subestimação dos perigos reais e sem precedentes que estavam por vir. Mas é
preciso lembrar também que a inabilidade de análise política resultava da própria
natureza da história judaica, história de um povo sem governo, sem país e sem
idioma. A história judaica oferece extraordinário espectáculo de um povo, único
nesse particular, que começou na sua existência histórica a partir de um
conceito bem definido da história e com a resolução quase consciente de
realizar na terra um plano bem delimitado, e que depois, sem desistir dessa ideia,
evitou qualquer acção política durante 2 mil anos. Em consequência, a história
política do povo judeu tornou-se mais dependente de factores imprevistos e
acidentais do que a história de outras nações, de sorte que os judeus assumiam diversos
papéis na sua actuação histórica, tropeçando em todos e não aceitando
responsabilidade precípua por nenhum deles». In Hannah Arendt, The origins
of totalitarianism, 1949, Origens do Totalitarismo, Mary McCarthy West,
1979, Wikipédia.
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