terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Poetisas Portuguesas. Antologia. Nuno Cardoso. «A cabeça descoberta e a chuva tão miudinha… E ella a rir, travessa e esperta, pára na rua, deserta, e os pés na lama chapinha. O cabello a desfrizar-se com a chuva miudinha…»

jdact e wikipedia

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Antologia
Maria Anna Achioli
«Maria Anna Achioli nasceu em Torres Vedras. É filha de Lia de Magalhães Collaço, da Casa de Condeixa e de Fonseca Achioli, descendente de uma família nobre e ilustre de Florença. É, portanto, Maria Anna Achioli bisneta dos condes de Condeixa e sobrinha dos condes d’Avilez. Maria Anna Achioli, apezar de muito nova, tem já a sua vida esmaltada por titulos de valor literario e artístico. Obteve 20 valores no seu exame do quinto ano de portuguez, no liceu. E na pintura foi discipula dilecta e notável de madame Zoé Wautelet Batalha Reis. As suas poesias são tão singelamente naturaes, tão impregnadas de candura, tão filhas de um grande coração, que bem se encarregam essas obras de iniciarem o alvorecer de uma vocação poética de primeira ordem.

Chapinhando
«Ao de leve, na vidraça
bate a chuva miudinha
e ella, a Maria da Graça
finge que a saia arregaça
e ri com gosto, a tontinha!

A cabeça descoberta
e a chuva tão miudinha…
E ella a rir, travessa e esperta,
pára na rua, deserta,
e os pés na lama chapinha.

O cabello a desfrizar-se
com a chuva miudinha…
E ella, rindo, a arregaçar-se,
como quem sêdas trajasse
em vez de curta sainha.

Ris, pequena endiabrada?
E a chuva cae miudinha
mas olha a saia encarnada
que de tanto arregaçada,
se não vê, a pobresinha!

Que gosto é esse, Maria?
Cai a chuva miudinha…
Foge, corre, que ella é fria
e eu sei que alguém choraria
ao saber-te doentinha».
Maria Anna Achioli. Almanach de Lembranças, 1913

Lar Feliz
«Olha o sol já se escondeu,
não tenho tempo a perder,
vem o Manel, quer comer.
Todo o dia a trabalhar,
É tempo de descançar!
Tão branco e tão pequenino,
como dorme o meu menino
o filho que Deus me deu!

Na mesa nova de pinho
manchando a alvura do linho.
Luz o verde cangirão,
dois talheres, copos e pão.

Ah! mulher, temos bom anno,
não ha fome cá n’aldeia,
a espiga é grande e cheia,
cahiu a agua dos Ceus
e inchou-a, benza-a Deus!
E a gente sempre a pensar
que a chuva a vinha estragar,
e ás terras causar damno…

A comida é bem frugal
batatas, couves com sal;
mas na terrina aldeã
cheira a sopa a hortelã.

Está boa a ceia, Maria;
Ah!... Olha lá, meu amor,
faz hoje um anno, pois não?
Que o bom do senhor prior
me deu para a minha mão
a cachopa mais bonita,
a moçoila mais catita
que eu vi lá na romaria.

E os copos enchem-se então
á nossa e á do petiz,
Fructo d’aquella affeição,
Enlevo do lar feliz!»
Maria Anna Achioli

In Nuno Catarino Cardoso, Poetisas Portuguesas, Prefácio, Antologia contendo dados de 106 poetisas, Livraria Scientífica, Lisboa, 1917, Library University of Toronto, 1969.

Cortesia de LScientífica/PCardoso/JDACT