A tradição associada
ao ano de 1110. De expugnatione Scallabis
«(…)
Assinalando fortes pontos de contacto entre a De expugnatione Scallabis
e a Vita Theotonii, Lindley Cintra atribuiu-lhes uma
autoria comum. Segue a sua argumentação: O estilo vivo, variado, muito
pessoal do discípulo do primeiro abade do Mosteiro de Coimbra, que escreveu a
sua vida por fins do séc. XII, inícios do séc. XIII, permite a hipótese de
também se lhe dever o De expugnatione. Nos dois textos se manifesta a
mesma admiração incondicional pelo Rei. E a hipótese é principalmente
reforçada: 1.º, pelo facto de, num
como noutro texto, se aludir, em termos perfeitamente concordes, à revelação
dos objectivos da expedição, feita pelo Rei a S. Teotónio, e às orações com que
este e os seus monges acompanharam a arriscada empresa; 2.º, por, na boca do Santo, na sua biografia, na do Rei, no relato
da conquista, surgirem precisamente as mesmas citações da Biblia: Domine, Domine…
omnipotens qui muros iherico sine gladio et arco subrui fecisti qui etiam ad
precem iosue contra gabon solem stare precepisti; Testor deum celi,
oculis cuius nuda et aperta saunt omnia, quia nec muros iericho subrutos, nec
solis stationem prece iosue ad gabaon in comparationem huius in me pietatis et
misericordie facti pro miraculis duco. Não é de crer que estas
coincidências sejam puramente ocasionais.
Opinião
diferente tem Aires Nascimento, não só porque considera o texto do De
expugnatione Scallabis anterior à Vita Theothonii, mas
também porque interpreta as semelhanças por dependência e acentua as diferenças.
Invocando os preparativos de Afonso Henriques para a tomada de Santarém,
salienta que no De expugnatione Scallabis (narrado, como vimos,
pelo rei na primeira pessoa), se fazem com uma ampla envolvência dos cónegos
de Santa Cruz, a quem dei conhecimento da nossa empresa e em quem tenho
confiança, como também por parte de outro clero juntamente com todo o povo,
enquanto o envolvimento pressuposto na Vita Theotonii se fica no
sigilo de Teotónio. Por outro lado, salienta a profusão de palavras árabes no De
expugnatione Scallabis e o seu aparecimento ocasional na Vita
Theotonii. Embora considerando, como fizemos, o texto do De
expugnatione Scallabis posterior à Vita Theotonii, continuam válidas
as diferenças apontadas por Aires Nascimento e, portanto, a não se considera
provável uma autoria comum dos dois textos. Só assim se compreende que a
anomalia mais acima acentuada de, no segundo destes textos, se situar a morte
de S. Teotónio numa sexta-feira, seja a possível origem do equívoco, implícito
no primeiro texto, acerca do ano da morte, atribuída a 1166. Subtraindo os 56 anos de idade do rei ao ano assim obtido,
fixou-se o seu nascimento em 1110 e
portanto, que ia nos 37 anos de idade quando tomou Santarém.
Escrito num período crítico da história de Portugal, entre a invasão sarracena
de 1184 e a morte do fundador,
podemos admitir que o texto do De expugnatione Scallabis desempenhou
um papel extremamente importante na transmissão de uma forte ideologia de
combate. Estava lançada, em terreno fértil, a semente da nova tradição do
nascimento de Afonso Henriques em 1110.
As fontes analísticas
Os Anais são uma relação de factos, segundo a
ordem dos anos em que os mesmos ocorrem. Os mais antigos Anais portugueses
existem em duas versões: a longa, representada pela segunda parte do Livro
de Noa de Santa Cruz e pela chamada Chronica Gothorum; e a
breve, pela primeira parte do mesmo Livro de Noa e por uma
cópia contida na Summa chronicarum procedente de Alcobaça. A
versão longa foi continuada na recensão da Chronica Gothorum por
notícias até ao ano de 1122, e
depois por outra série sobre Afonso Henriques (até 1184); foram publicadas
separadamente, a primeira, sob o nome de Annales
Portugalenses veteres, por Pierre David, em 1947, e a segunda, sob o nome de Annales D. Alfonsi Portugallensium regis, por Monica
Blöcker-Walter, em 1966. Quanto à
recensão breve, publicada por Pierre David, foi também continuada até 1168, existindo igualmente em duas
versões: uma na primeira parte do Livro de Noa e outra nos Annales
lamecenses (da Sé de Lamego). A recensão breve, tal como foi
reconstituída por P. David, não contém qualquer referência à data de nascimento
de Afonso Henriques. Na primeira série da versão longa, existem duas referências
que o mesmo autor considera que podem ter sido uma interpolação posterior aos Anais
(são as que se encontram na PMH, Chronica Gothorum, uma
directa, refere o nascimento de Afonso Henriques em 1113; Era MCLI. Natus
fuit Infans Alfonsus Comitis Henrici et Regine D. Tarasie filius Regis D.
Alfonsi nepos e outra, indirecta, sobre a morte do conde Henrique em 1114;
Era MCLII. Cal. Maii obiit Comes D. Henricus; Posteriormente, R. Azevedo
dá grande plausibilidade à conjectura de J. Ribeiro (1810), de que no
arquétipo da notícia da morte do conde Henrique estivesse Era MCL. II Cal.
Maii, o que coloca a morte no dia 30 de Abril de 1112, harmonizando-se
perfeitamente com os últimos documentos em que comparece o conde de Portugal e
os primeiros que revelam o seu desaparecimento). In Abel Estefânio, A Data de
Nascimento de Afonso I, Medievalista,
nº 8, 2010, Instituto de Estudos Medievais, direcção de José Mattoso, ISSN 1646-740X.
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