terça-feira, 20 de outubro de 2015

A Data de Nascimento de Afonso Henriques. Abel Estefânio. «Os “Anais” são uma relação de factos, segundo a ordem dos anos em que os mesmos ocorrem. Os mais antigos “Anais portugueses” existem em duas versões: ‘a longa’, representada pela segunda parte do Livro de Noa de Santa Cruz; e ‘a breve’, pela primeira parte do mesmo Livro de Noa, procedente de Alcobaça»

Cortesia de wikipedia

A tradição associada ao ano de 1110. De expugnatione Scallabis
«(…) Assinalando fortes pontos de contacto entre a De expugnatione Scallabis e a Vita Theotonii, Lindley Cintra atribuiu-lhes uma autoria comum. Segue a sua argumentação: O estilo vivo, variado, muito pessoal do discípulo do primeiro abade do Mosteiro de Coimbra, que escreveu a sua vida por fins do séc. XII, inícios do séc. XIII, permite a hipótese de também se lhe dever o De expugnatione. Nos dois textos se manifesta a mesma admiração incondicional pelo Rei. E a hipótese é principalmente reforçada: 1.º, pelo facto de, num como noutro texto, se aludir, em termos perfeitamente concordes, à revelação dos objectivos da expedição, feita pelo Rei a S. Teotónio, e às orações com que este e os seus monges acompanharam a arriscada empresa; 2.º, por, na boca do Santo, na sua biografia, na do Rei, no relato da conquista, surgirem precisamente as mesmas citações da Biblia: Domine, Domine… omnipotens qui muros iherico sine gladio et arco subrui fecisti qui etiam ad precem iosue contra gabon solem stare precepisti; Testor deum celi, oculis cuius nuda et aperta saunt omnia, quia nec muros iericho subrutos, nec solis stationem prece iosue ad gabaon in comparationem huius in me pietatis et misericordie facti pro miraculis duco. Não é de crer que estas coincidências sejam puramente ocasionais.
Opinião diferente tem Aires Nascimento, não só porque considera o texto do De expugnatione Scallabis anterior à Vita Theothonii, mas também porque interpreta as semelhanças por dependência e acentua as diferenças. Invocando os preparativos de Afonso Henriques para a tomada de Santarém, salienta que no De expugnatione Scallabis (narrado, como vimos, pelo rei na primeira pessoa), se fazem com uma ampla envolvência dos cónegos de Santa Cruz, a quem dei conhecimento da nossa empresa e em quem tenho confiança, como também por parte de outro clero juntamente com todo o povo, enquanto o envolvimento pressuposto na Vita Theotonii se fica no sigilo de Teotónio. Por outro lado, salienta a profusão de palavras árabes no De expugnatione Scallabis e o seu aparecimento ocasional na Vita Theotonii. Embora considerando, como fizemos, o texto do De expugnatione Scallabis posterior à Vita Theotonii, continuam válidas as diferenças apontadas por Aires Nascimento e, portanto, a não se considera provável uma autoria comum dos dois textos. Só assim se compreende que a anomalia mais acima acentuada de, no segundo destes textos, se situar a morte de S. Teotónio numa sexta-feira, seja a possível origem do equívoco, implícito no primeiro texto, acerca do ano da morte, atribuída a 1166. Subtraindo os 56 anos de idade do rei ao ano assim obtido, fixou-se o seu nascimento em 1110 e portanto, que ia nos 37 anos de idade quando tomou Santarém. Escrito num período crítico da história de Portugal, entre a invasão sarracena de 1184 e a morte do fundador, podemos admitir que o texto do De expugnatione Scallabis desempenhou um papel extremamente importante na transmissão de uma forte ideologia de combate. Estava lançada, em terreno fértil, a semente da nova tradição do nascimento de Afonso Henriques em 1110.

As fontes analísticas
Os Anais são uma relação de factos, segundo a ordem dos anos em que os mesmos ocorrem. Os mais antigos Anais portugueses existem em duas versões: a longa, representada pela segunda parte do Livro de Noa de Santa Cruz e pela chamada Chronica Gothorum; e a breve, pela primeira parte do mesmo Livro de Noa e por uma cópia contida na Summa chronicarum procedente de Alcobaça. A versão longa foi continuada na recensão da Chronica Gothorum por notícias até ao ano de 1122, e depois por outra série sobre Afonso Henriques (até 1184); foram publicadas separadamente, a primeira, sob o nome de Annales Portugalenses veteres, por Pierre David, em 1947, e a segunda, sob o nome de Annales D. Alfonsi Portugallensium regis, por Monica Blöcker-Walter, em 1966. Quanto à recensão breve, publicada por Pierre David, foi também continuada até 1168, existindo igualmente em duas versões: uma na primeira parte do Livro de Noa e outra nos Annales lamecenses (da Sé de Lamego). A recensão breve, tal como foi reconstituída por P. David, não contém qualquer referência à data de nascimento de Afonso Henriques. Na primeira série da versão longa, existem duas referências que o mesmo autor considera que podem ter sido uma interpolação posterior aos Anais (são as que se encontram na PMH, Chronica Gothorum, uma directa, refere o nascimento de Afonso Henriques em 1113; Era MCLI. Natus fuit Infans Alfonsus Comitis Henrici et Regine D. Tarasie filius Regis D. Alfonsi nepos e outra, indirecta, sobre a morte do conde Henrique em 1114; Era MCLII. Cal. Maii obiit Comes D. Henricus; Posteriormente, R. Azevedo dá grande plausibilidade à conjectura de J. Ribeiro (1810), de que no arquétipo da notícia da morte do conde Henrique estivesse Era MCL. II Cal. Maii, o que coloca a morte no dia 30 de Abril de 1112, harmonizando-se perfeitamente com os últimos documentos em que comparece o conde de Portugal e os primeiros que revelam o seu desaparecimento). In Abel Estefânio, A Data de Nascimento de Afonso I, Medievalista, nº 8, 2010, Instituto de Estudos Medievais, direcção de José Mattoso, ISSN 1646-740X.

Cortesia de Medievalista/JDACT