segunda-feira, 26 de outubro de 2015

A Revista de História (1912-1928). Nuno Miguel Moreira. «Em 1976, fortemente influenciado e marcado pelo marxismo e pelo materialismo dialéctico, Joaquim Barradas Carvalho publicou um estudo intitulado ‘Da Crónica Histórica à História Ciência’»

Cortesia de wikipedia

Uma proposta de Análise Histórico-Historiográfica
«(…) Ainda em 1962, Joaquim Veríssimo Serrão publicou a História Breve da Historiografia Portuguesa, que constitui essencialmente uma recolha de nomes, de personalidades e de obras, uma inventariação com fins descritivos, na qual quaisquer intuitos de problematização e interpretação resultam subalternos. O mesmo diagnóstico repercute-se e pode ser aplicado num estudo que começou a ser dado à estampa dez anos volvidos, intitulado A Historiografia Portuguesa: Doutrina e Crítica, no qual o autor apresenta, em três volumes uma panorâmica diacrónica da Historiografia Portuguesa, portadora de um aparato erudito mais vincado do que o patente no trabalho anterior. Em 1963, António Silva Rego publicou um trabalho essencialmente de cariz metodológico e pedagógico, intitulado Lições de Metodologia e Crítica Histórica. Por seu turno, numa linha bem diferente da exposta nas linhas precedentes, assente na problematização e na inspiração extraída dos Annales, mormente da História Nova, Magalhães Godinho, nos seus Ensaios III, publicados em 1971, deu sequência a importantes contributos anteriores de sua lavra e traçou, de forma original, as directrizes da Historiografia Portuguesa, republicando vários artigos, entre os quais pontifica o estudo Historiografia Portuguesa do Século XX, orientações problemas e perspectivas, dado à estampa pela primeira vez em 1955 e que constituiu uma fonte de inspiração para nós, dado que configura um dos primeiros trabalhos empíricos na área da História da Historiografia, dedicado aos historiadores e suas obras, da autoria de um cultor de Clio profissional. A reflexão historiográfica em Portugal deve muito a Vitorino Magalhães Godinho e aos diversos trabalhos que lhe devotou, praticando nos três volumes dos Ensaios, uma historiografia total, problematizante, aberta à interdisciplinaridade com a geografia, a economia ou a sociologia, incrementando a história da ciência e da técnica, mas também a das mentalidades, sem esquecer uma empatia pelo tempo presente, incentivando uma nova erudição, conferindo destaque a historiadores dos Descobrimentos, a sua época de estudo de eleição durante a maior parte do seu trajecto intelectual, como Duarte Leite. No terceiro volume dos Ensaios comparecem alguns artigos previamente publicados no Dicionário da História de Portugal, dirigido por Joel Serrão. Na primeira parte deste estudo, subordinada à Crise da História e suas novas diretrizes, são abordados temas como; a história humana e a história natural; a história e a geografia; a história económica e social; história da técnica, civilização e vida mental e história da cultura. Na segunda parte, Magalhães Godinho debruça-se sobre diversos historiadores como Duarte Leite, Jaime Cortesão e Veiga Simões.
Em 1974, precisamente no ano da Revolução de Abril, A.H. de Oliveira Marques publicou uma obra que a revisão bibliográfica não pode esquecer, ou pôr de parte, um contributo estruturante, basilar e indispensável; a Antologia de Historiografia Portuguesa. Este trabalho aposta na apresentação de diversos historiadores portugueses, através da pesquisa e publicação de excertos significativos dos seus textos. Essa recolha não é aleatória e percorre cronologicamente momentos significativos do pensamento historiográfico português, tal como os posteriores Ensaios de Historiografia Portuguesa. As duas obras possuem uma introdução comum, na qual Oliveira Marques lamenta a escassez de trabalhos de História da Historiografia publicados em Portugal. O primeiro trabalho referido é uma selecta, em dois volumes, de textos considerados significativos de historiadores de várias épocas até ao dealbar do século XX. Nas suas escolhas nota-se o respeito de Oliveira Marques pela historicidade das práticas historiográficas que colige, eximindo-se a fazer interpretações explícitas sobre os excertos transcritos. Nota-se que o historiador salvaguarda a objectividade e identidade dos materiais selecionados. Esta selecção não é aleatória e permite aos leitores potenciais encetar novas investigações, estimulando-as.
No segundo trabalho citado, o autor reúne estudos vários de história da historiografia escritos entre 1960 e 1985, nos quais prolonga o tipo de prática historiográfica que acabámos de enunciar. Congrega, por exemplo, documentos sobre os primórdios da Faculdade de Letras de Lisboa, o magistério de Vieira Almeida, a historiografia regionalista na época do Abade de Baçal, entre outros temas, tais como uma aproximação às biografias de Fernão Lopes, de Jaime Cortesão e António Sérgio, todas indicadoras de uma linhagem metodológica e ideológica respeitada por Oliveira Marques, seguidor de uma análise crítica e empírica de fontes, avesso a lucubrações e especulações filosóficas abstractas. O esboço biográfico sobre Francisco Vieira Almeida pretende conferir destaque a uma personalidade que foi alvo da denunciada censura salazarista.
Em 1976, fortemente influenciado e marcado pelo marxismo e pelo materialismo dialéctico, Joaquim Barradas Carvalho publicou um estudo intitulado Da Crónica Histórica à História Ciência. No ano de 1982, Daniel Sousa, publicou um trabalho essencialmente filosófico, intitulado Teoria da História e do Conhecimento Histórico. Trata-se de um texto que pretende distinguir as várias acepções de Teoria da História, desde as que a identificam com a reflexão sobre o conhecimento científico e seus limites, até às que a aparentam com um exercício sobre o sentido da existência. No primeiro caso, ressalta-se o processo de autonomização da História como ciência do espírito face às ciências da natureza, prodigalizada na Alemanha na segunda metade do século XIX por autores como Dilthey, Wildeband, Droysen ou Rickert. Quanto à abordagem especulativa, Daniel Sousa confere bastante espaço ao marxismo e ao materialismo dialéctico. No mesmo ano surgiu outro trabalho também de natureza pedagógico-didáctica, mas dotado de uma perspectiva ideológica bem diversa. Trata-se de Teorias sobre a História, da autoria de Filipe Rocha, personalidade ligada à Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Braga, que construiu uma espécie de manual para poder ser lido pelos alunos, dividido em três partes: a primeira, dedicada à diacronia das Teorias sobre a História, entendidas estas como conhecimento histórico; a segunda, subordinada às dinâmicas de foro existencial, que contemplam uma dimensão metafísica, na qual a indagação de Deus e da transcendência não está ausente. Num terceiro momento, o autor procura descrever os instrumentos conceptuais ao dispor do historiador na construção crítico-reflexiva de um conhecimento científico de natureza disciplinar. Esses instrumentos são, por exemplo, a explicação, a causalidade ou o tempo histórico. Este andamento é o mais útil à nossa pesquisa, mas Filipe Rocha parece não se contentar com o apuramento, a construção e interpretação de factos positivos, embora os considere imprescindíveis». In Nuno Miguel M. B. Moreira, A Revista de História (1912-1928), Uma Proposta de Análise Histórico-Historiográfica, Faculdade de Letras, Universidade do Porto, Porto, Dissertação de Doutoramento em História, 2012.

Cortesia de UPorto/FdeLetras/JDACT