Localização e Leitura Formal
«Nossa
Senhora de Guadalupe na Raposeira é uma pequena ermida que se ergue num vale
aberto, entre duas breves colinas, a pouca distância da Raposeira / Vila do
Bispo, a norte da estrada que liga estas duas povoações a Lagos. Passa
despercebida por se encontrar um pouco para o interior em relação ao traçado da
estrada e por os dois leves relevos que a envolvem, a ocultarem aos olhos dos
passantes. O acesso faz-se por um curto troço de estrada secundária, que
termina no largo fronteiro à porta principal do templo. De pequenas proporções
exteriores, com aspecto sóbrio, onde o contraste da pedra (a
ermida de Nª. Sª. De Guadalupe, assenta sobre os grés triássicos, com a
inclinação de 22º para S.O. e é construída com esses grés), de cor
característica, no portal e degraus, no óculo, nos cunhais e contrafortes, é
realçado pela brancura da cal das paredes. Essa mesma pedra encontra-se
espalhada nos terrenos circundantes. O ingresso faz-se pelo portal que se abre
na fachada principal, centrado, simples, de arco quebrado pouco acentuado, mas
equilibrado. O arco é formado por duas arquivoltas, sem qualquer tipo de
decoração, sendo a interna saliente, de rebordo arredondado e, a externa,
reentrante, como que negativo da primeira. Ambas se continuam nos pés direitos
com as mesmas secções, dando origem, a interna, a uma coluna. A leitura das
arquivoltas e correspondentes pés direitos apenas é interrompida pelos dois
capitéis que, embora apresentando decoração cordiforme, são diferentes. O corpo
do capitel do lado norte acompanha o movimento do pé direito, marcando, no
entanto, a reentrância com menor amplitude e é encimado pelo ábaco a toda a
largura, de moldura inferior em corda e a superior, escavada, com secção
angular. O capitel do lado sul está colocado apenas sobre a coluna e, no seu
corpo, horizontalmente, aparece uma corda em relevo.
O ábaco, à
semelhança do capitel oposto, tem o mesmo motivo na moldura inferior e, na
superior, apresenta aresta denticulada, semelhante a corda desgastada pela
erosão. Continua-se o capitel numa pequena imposta, que acompanha a concavidade
do pé direito e termina, exteriormente, por uma cabeça em relevo, de
configuração arredondada, com boca, nariz, olhos e cabelos apontados.
Inferiormente, sublinhando-a, e como que envolvendo um colunelo inexistente,
surge um curto e curvo encanastrado. Ao lado do saimel norte do arco
encontra-se, à vista, uma pedra que, pela sua configuração, parece dar
continuidade a algo que há muito já desapareceu. Sobre o portal abre-se um
pequeno óculo, de profundo enxalço, que circunscreve uma cruz em pedra, de
braços iguais e centro vazado. No interior a espacialidade é diferente. O
templo parece mais amplo. O portal, interiormente, apresenta-se de verga levemente
abaulada. O corpo do templo é formado por três tramos, marcados por dois largos
arcos diafragma, que morrem a cerca de meia altura da parede e cujos ângulos
chegam quase à cobertura de madeira.
Têm
rebordos, como que nervuras largas e grossas, que assentam sobre os capitéis
lisos de uma espécie de mísulas. Estes capitéis alargam-se junto à parede,
dando assento, igualmente, à pequeníssima espessura saliente dos arranques dos
arcos, os quais, no exterior do templo, são sustentados por grossos
contrafortes escalonados, perceptíveis na parede interior, a partir do nível
inferior dos capitéis. As nervuras dos arcos diafragma, tanto nos ângulos como
no remate das arestas chanfradas dos seus perfis, apresentam pequenos elementos
decorativos esculpidos. Sobre o interior visível do contraforte do primeiro
arco, do lado sul, encontra-se uma pia de água benta, circular, que se estreita
ligeiramente na parte inferior. Esse estreitamento está sublinhado por uma
finíssima aresta saliente, sobre a qual uma linha quebrada, igualmente fina e
suave, circunda a pia. Entre dois dos espaços criados pela linha quebrada
surgem, no mesmo tipo de relevo, uma cruz e uma circunferência. No segundo
tramo, ao lado da pia, abre-se uma porta para o exterior. Interiormente
apresenta-se de verga abaulada e, exteriormente, de arco quebrado, com o ângulo
pouco acentuado e de aresta chanfrada. Sem capitéis, continua-se pelos pés
direitos, também chanfrados, interrompendo-se à altura de uma pequena imposta
que, a poente contém um elemento decorativo, mais uma vez cordiforme.
A
capela-mor, mais baixa, com arco triunfal quebrado, é de dois tramos, com
cobertura de ogivas de nervuras espessas. Estas assentam em colunas
incorporadas na parede até meio, com capitéis decorados. As três nervuras centrais,
tanto de um lado como do outro, assentam em duas colunas colocadas a par, que,
embora de bases e capitéis independentes apresentam socos e ábacos, moldurados,
interligados. De cada lado do arco triunfal, e quase a ele encostada,
encontra-se uma coluna, igualmente incorporada na parede, onde se apoia a
nervura da ogiva, desempenhando a função que, quanto a nós, deveria pertencer
ao próprio capitel daquele arco. Todas as arestas das nervuras do arco
triunfal, assim como do rebordo que se encontra no seu perfil, são chanfradas e
terminam por um pequeno elemento decorativo em voluta. As duas chaves do
cruzamento das ogivas, decoradas, têm formas irregulares. Circundando a capela-mor,
interligando todos os ábacos, à excepção dos do arco triunfal, existe uma
estreita imposta, saliente, de molduras. No pano de parede do fundo,
sobranceira à imposta, abre-se uma janela alta, de dois lumes, com arcos de
volta perfeita. Do lado sul, no pano de parede entre a coluna encostada ao arco
triunfal e o par de colunas centrais, abre-se uma porta de comunicação com a
sacristia, com arco quebrado, mas de feitura muito mais recente, visível no
material utilizado». In Ana
Maria Passos Parente, Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe na Raposeira, Excerto
da dissertação de Mestrado de História da Arte, Escultura Figurativa na Arquitectura Religiosa do Algarve, na Baixa
Idade Média, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas, 1987, Revista Medievalista, director Luís Krus, Ano 1, Nº
1, Instituto de Estudos Medievais, FCSH-UNL, FCT, 2005, ISSN 1646-740X.
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