sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Conferências Públicas. 1891. Pereira da Silva. «… a ideia de que o mundo terrestre formava uma esfera ou globo. Copérnico, já como que também adivinhara, que, em torno do sol fixo, é que gyravam a terra e os demais planetas»

jdact

NOTA: De acordo com o original

Primeira Gonferencia. 17 de maio de 1891
«(…) Ao cessar a primeira metade do século XV três acontecimentos verificaram-se, no entanto, na Europa: 1.º Constantinopla, a capital do império grego christão, successora de Roma, cahira em poder dos turcos, que, derrotando os Árabes, se tinham apoderado de toda a Ásia Menor, e dahi passado para Europa, onde fundaram novo império, que à pouco e pouco avassallou a Grécia, a Bulgária, a Roumania, a Servia e os estados do Danúbio, e começou a ameaçar a Allemanha pela Hungria; 2.º Descobrira-se em Mayença a arte de imprimir, e os livros tenderam logo á baratear, as luzes á derramarem-se, e a civilisação á crescer; 3.° Hespanha esforçava-se por unificar-se, reunindo em um só reino Navarra, Aragão, Catalunha, Castellas, Galliza, Leão e Bascos; e França alcançara emfim expellir os inglezes do seu território, e procurava alargar-se até o Mediterrâneo, e assenhorear-se da Borgonha e da Provença.
A esses trabalhos entregavam-se as nações europeas, emquanto que Portugal cuidava de navegações. Agora, mais que nunca, precisava-se de abrir caminho para as Indias pela Africa, porque os portos da Ásia Menor, do mar Negro e de Constantinopla, submettidos e acurvados pelos turcos de Mahomet, feixavam as communicações, restando apenas o Egypto que se conservara independente do jugo quer do Árabe já decahido e escravisado, quer do Turco, que sobre todos os mussulmanos se erguera, e apregoava-se o primeiro dos povos de crença Mahometana.
Affonso V de Portugal foi de novo guerrear na Mauritânia, subjugou Alzira, Alcácer e Tanger. Por sua morte, o rei João II preferiu continuar as excursões marítimas de seu finado tio infante Henrique e approximar-se da Ásia, dobrada a costa Africana: digno successor pela grandeza idêntica do pensamento, e mais poderoso porque era rei, e agora entrava a Coroa nas emprezas com força própria e sob direcção governativa. Foi nesse tempo que chegou á Portugal Christovam Colombo, pelo anno de 1470, aventureiro audacioso, temerário, instruído em mathematicas e cosmographia, e ancioso de tomar parte nas emprezas portuguezas, em que já se empregavam muitos compatriotas seus, e de outras nações europeas. Chamava Portugal e attrahia á si quantos aventureiros arrojados desejavam navegar e descobrir terras, porque era Portugal a única nação que se devotava á tão profícuo serviço.
Abrira, portanto, Portugal as portas que escondiam os continentes, rasgara caminhos no seio dos mares, desenvolvia e aperfeiçoava as sciencias cosmographicas, geographicas, astronómicas, melhorava instrumentos de navegação, tornara-se o precursor de todo o movimento progressivo, que seguiu o universo durante o século XV. Christovam Colombo teria então 35 annos, e sua vida, antes desta época, não está ainda hoje conhecida. Os autores que lhe escreveram a biographia, muitos foram elles, tanto hespanhoes como italianos e de outras nações, divergem, contradizem-se, por forma que ao certo se não alcança a realidade. Patenteava Christovam Colombo grandes talentos e muitos conhecimentos mathematicos, geographicos e cosmographicos; escrevia mapas e cartas, e tratou de empregar-se logo na marinha portugueza, casando-se com a filha de um Perestelo, navegante habilissimo, gratificado pela Coroa com a donatária da ilha do Porto Santo. Foi com elle que aprendeu, estudou os roteiros, recebeu lições, e delle herdou escriptos e mapas importantes a respeito de navegações marítimas. Colombo relacionou-se também com todos os marinheiros e pilotos que serviam em Portugal, fez com elles viagens diversas á Africa e aos Açores, e fixara residência ordinária na ilha da Madeira.
Dedicado ao estudo náutico, pesquizador de todos os factos que se passavam, engenhou logo empreza que lhe desse renome. Era ambiciosissimo de gloria e, pois, cuidou de desenvolver a sua actividade, para o fim de adquiril-a. Nessa época era abraçada por muitos sábios e cosmographos a ideia de que o mundo terrestre formava uma esfera ou globo. Copérnico, já como que também adivinhara, que, em torno do sol fixo, é que gyravam a terra e os demais planetas». In J. M. Pereira da Silva, Conferências Públicas, propriedade do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro e Academia Real de Sciencias de Lisboa, Brazil, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, Library University of California, 1892.

Cortesia de IHGB/ARC de Lisboa/JDACT