«(…) Segundo Fernando, Colombo conheceu a sua esposa, dona Felipa Moniz, em
Lisboa, quando assistia a missa na capela do Convento de Santos, da Ordem de
Santiago. Ela era filha de Bartolomeu Perestrelo, o primeiro capitão e
donatário da ilha de Porto Santo, e de dona Isabel Moniz, sua segunda esposa.
Perestrelo, filho de uma família nobre de Piacenza que tinha emigrado para
Lisboa no século XIV, acompanhou a segunda expedição de colonizadores a Porto
Santo e Madeira em 1425. Recebeu a capitania hereditária da ilha mais pequena
do infante Henrique e morreu lá ao redor de 1457. O pai de dona Isabel, Gil Ayres Moniz, pertencia a uma das
mais velhas famílias do Algarve e tinha lutado junto com o Infante Henrique em
Ceuta em 1415. Também a sogra de
Colombo era aparentada com o condestável Nuno Alvares Pereira e por
conseguinte, com a casa real, ou seja com a maior nobreza do reino.
Depois da morte do esposo, dona Isabel vendeu os seus direitos na capitania
de Porto Santo a Pedro Correia Cunha, marido de uma das suas enteadas, e voltou
a Lisboa. Alguns anos depois, o seu próprio filho Bartolomeu foi reconduzido na
posse da capitania de Porto Santo quando chegou a sua maioridade em 1473. Isso deixou a mãe com pouco
dinheiro para a sua manutenção e a das suas filhas. Como se explica o casamento da aristocrática dona Felipa com o filho
de um humilde tecelão? Dizem alguns investigadores que sua mãe, que mal
podia manter-se, devia ter ficado feliz de vê-la casada, poupando assim as
despesas do convento. Este convento, estava desde a sua origem destinado a
asilo das famílias dos cavaleiros de Santiago. O mestre da Ordem fora amo de
Bartolomeu Perestrelo. Como Cristóvão chegou a corteja-la não sabemos. Seu
filho, o biógrafo, só diz que como ele se
portou muito honradamente e era um homem de uma presenca muito fina e tão
honesto que dona Felipa teve tanta conversa e amizade com ele, que consentiu
ser sua esposa. Ignoramos a data e lugar do casamento mas como parece que o
filho que teve com dona Felipa nasceu em 1480,
podemos supor que Cristóvão e Felipa se casaram nos fins de 1479.
Na referida biografia do seu pai, Fernando Colombo escreve que o casamento
teve lugar em Lisboa, mas que o jovem casal partiu imediatamente para Porto
Santo. Isso é duvidoso por vários motivos. E quanto aos muitos tomos da
biografia de Colombo escrita por Bartolome de las Casas, diz-se que o bispo
copiou muito do manuscrito de Fernando. Quando escreve no Livro I, capitulo
130, que Colombo residiu na Madeira depois do casamento, é muito provável que
essa informação lhe tivesse vindo do manuscrito de Fernando que teve a mão. E
apesar de que esses dois biógrafos eram íntimos de Cristóvão Colombo, suas
biografias não inspiram muita confiança. Fernando Colombo, que não era o fruto
desse casamento, também nos informa que Colombo residiu por algum tempo com sua
sogra em Porto Santo, e que ela, vendo quanto Colombo se interessava pelo mar,
lhe contou muitas historietas que ouviu ao seu marido. Disse que lhe contou
como Bartolomeu tinha arruinado Porto Santo por muitos anos, por ter levado a
ilha a sua chegada, uma coelha com sua ninhada. Os coelhos cresceram tão
rapidamente que dentro de um ano cobriram toda a ilha e comeram lá tudo o que
fosse verdura.
Os colonizadores foram portanto forçados a transferir-se para a ilha da
Madeira e assim a colonização de Porto Santo foi retardada ate que o equilíbrio
da natureza foi restabelecido. Posto que o almirante gostou tanto de ouvir
estas historietas e outras das viagens feitas naquela época, segundo escreve
Fernando, dona Isabel lhe deu os papeis e
mapas deixados pelo seu falecido marido, do que o almirante se apaixonou, e se
informou assim de outras viagens e navegações que os portugueses faziam. Nem
o menor indício nos foi legado da disposição ou aparência física da única
mulher de Colombo, e dona Felipa fica sendo uma figura tão obscura como a da
mãe do descobridor. Nem sabemos quando morreu, só que foi antes que Colombo
partisse de Portugal para Espanha em 1485,
e que está sepultada no mosteiro do Carmo em Lisboa. Isso sabemos pelo
testamento do seu filho Diogo que se refere a el cuerpo de dona Felipa Moniz, su legitima mujer (do almirante) que
esta en el monasterio del Carmen, en Lisboa. O terceiro contacto de
Colombo com a Madeira ocorreu durante a sua terceira viagem a América em 1498. Naquele ano, a Espanha estava em
guerra com a Franca, e dizia-se que uma frota francesa estava perto do Cabo de
são Vicente, esperando a flotilha colombina de seis barcos. O Almirante navegou
para o sul, passando perto da costa africana, em vez de seguir um curso directo
para Porto Santo, o seu primeiro objectivo. Depois de oito dias, a frota chegou
a Porto Santo, em 7 de Junho de 1498, após ter navegado pelo menos 650
milhas. Ai Colombo decidiu meter a bordo lenha, água, e provisões, e ouvir
missa. Infelizmente, os habitantes confundiram a frota de Colombo com a dos
corsários franceses e fugiram para os montes com o seu gado. Como não encontrou
gente em Porto Santo, Colombo fez-se à vela naquela mesma noite para a Madeira.
O Funchal não é a mais que 40 milhas de Porto Santo mas parece que a frota teve
alguma dificuldade porque foi só a 10 de Junho, ou seja três dias depois, que o
almirante surgiu no porto do Funchal. Esta informação se encontra no livro de
Las Casas onde diz textualmente que En la
villa lhe fue hecho muy buen recibimiento y mucha fiesta, por ser alli muy
conocido, que fue vecino de ella en algun tiempo.
Este é, por enquanto, o único documento histórico da estada de Cristóvão
Colombo em Porto Santo, embora só de passagem, e de mais uma visita, a mais
prolongada, apenas por seis dias, a Madeira, portanto sem longas nem demorada
residência. Também a Madeira contribuiu tanto para a alegria do Almirante como
para a sua tristeza porque foi de ali que Colombo levou um piloto para um dos
seus barcos, um sevilhano chamado Pedro Ledesma, que se portou bastante
bem na terceira viagem de 1498 mas
que na quarta viagem de 1502 se
amotinou, e anos depois, subornado pelos Pinzon, disse muitas mentiras contra
o Almirante nas Inquirições que se abriram e negou terminantemente que o
navegador tivesse descoberto terra firme. Isso foi tudo o que eu pude
encontrar sobre a permanência de Cristóvão Colombo no arquipélago da Madeira.
Também soube que em 1953 a população
da Madeira honrou a memória de Cristóvão Colombo erigindo-lhe uma estátua numa
das praças principais perto do mar. Isso não admira porque há estátuas de
Colombo em todas as partes do mundo ocidental. Não sei se há uma estátua de
Colombo em Portugal continental. Duvido muito. De todas as maneiras, espero que
os madeirenses não me condenem por ter destruído alguns dos seus mitos mais
venerados». Trabalho apresentado ao Colóquio sobre os Descobrimentos e a Literatura
de Viagens, 2 – 4 Novembro 1988, nas instalações da Fundação Gulbenkian, em
Lisboa.
In Rebecca Katz, Christopher
Columbus and the Portuguese, 1476-1498, Greenwood Press, USA, 1993, ISBN 0313288674, Cristóvão Colombo na Madeira, muweb.millersville.edu/columbus/data/spc/CATZ-03P.SPK,
Paulo Campos, Arquivo Histórico, Madeira, 2009.
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