sábado, 31 de outubro de 2015

Alguns aspectos da vida universitária no 31. Coimbra nos meados do século XVI (1548-1554). Américo C Ramalho. «… Penso que esta era uma das razões da má vontade que um outro grande humanista, André Resende, guardou toda a vida a nuestros hermanos…»

Cortesia de wikipedia

«(…) De Diogo de Teive, que também esteve preso, como Buchanan, perdeu-se a tragédia que foi representada nesses anos, intitulada Judith, mas chegou até nós outra que escreveu depois de 1554, a Tragoedia Ioannes Princeps, sobre a morte do príncipe herdeiro, pai do futuro rei Sebastião I. Mais tarde, quando o Colégio das Artes passou para as mãos dos jesuítas, depois de 1555, a tradição das representações dramáticas continuou. Por Coimbra se demorou mesmo um dos maiores dramaturgos da Ordem, Miguel Venegas, que viria a ser licenciado, como então se dizia, isto é, expulso da Companhia de Jesus. E sabe-se que em 1570, o rei Sebastião I assistiu durante horas à representação do Sedecias do padre Luís Cruz. Também o uso das máscaras nos cortejos universitários está documentado em legislação do tempo de João III que as proibiu. Regressemos, porém, às glórias da vida universitária local, segundo o Conimbricae Encomium de Inácio Morais.
O poeta trata seguidamente dos concursos para as vagas de professor, as chamadas oposições. Aos candidatos dava-se o nome de opositores. Sirvo-me, de novo, da tradução que publiquei no artigo já referido: … e não menos exulta [Coimbra], quando alguém, em formosa competição de talento, alcança com a vitória os prémios, e sufrágios em maior número lhe atribuem a cátedra para que, a seguir, muito transmita sabiamente aos alunos. A multidão dos seus partidários, com um rumor aprovativo, dobra os aplausos e grita de alegria; proclama-o vencedor e aponta-o ao povo, por onde passa, e ergue-o aos ombros e senta-o na cátedra. Ao invés, o vencido em vão suspira, está desconsolado, tem os olhos fixos em terra. Rodeiam-no os companheiros e ao triste dizem palavras de consolação e exortam-no a que suavize as tristezas com uma esperança melhor.
Podemos dizer que esta é ainda a face luminosa da medalha. O reverso, porém, cobre-se de sombras espessas de cepticismo em face da natureza humana. Na verdade, estas oposições eram a ocasião das maiores arbitrariedades e injustiças, e até de autênticas infâmias. Os grandes mestres, convidados por João III com esplêndidos ordenados, como Martin Azpilcueta ou Fábio Arcas, viam-se providos nas cátedras sem oposição. Também não havia oposição, quando o candidato era único e aceite pelo Conselho. Ao passo que nos lugares ocupados por concurso entre vários ficavam os candidatos sujeitos aos votos dos ouvintes que durante um certo tempo assistiam às suas lições e depois votavam. Nem sempre, venciam os melhores. E havia na juventude, entre os estudantes, uma tendência para votar nos que estavam mais perto de si, pela idade, pela nacionalidade, por várias outras razões que não tinham que ver com a competência. Em Salamanca, onde o sistema era idêntico, professores distintos como Antonio Nebrija ou o português Aires Barbosa foram preteridos, nestas votações, por concorrentes muito inferiores.
Contemos brevemente o caso do nosso compatriota, a quem até o facto de ser português deve ter prejudicado. Penso que esta era uma das razões da má vontade que um outro grande humanista, André Resende, guardou toda a vida a nuestros hermanos. E se Manuel Costa e Aires Pinhel tiveram êxito, em 1561, é preciso não esquecer que eram filhos da escola salmantina. Voltando ao caso típico de Aires Barbosa. Ele foi, como é sabido, o introdutor do Grego na Península Ibérica, ao ensinar na Universidade de Salamanca, a partir de 1495, a língua helénica que aprendera em Itália. O Grego era, porém, uma catedrilha não obrigatória e menos rendosa que a de Gramática Latina. Em Coimbra, nos meados do séc. XVI, as duas primeiras classes de Latinidade eram pagas a 100 000 réis por ano e o Grego a 50 000. Mas voltando a Salamanca. Tendo vagado a cadeira de Gramática, Aires Barbosa apresentou-se a concurso com um outro candidato que de modo algum podia comparar-se-lhe. Era, porém, Pedro Espinosa, o rival, castelhano e mais jovem. O prestigioso mestre Grego, como lhe chamavam, foi batido». In Américo Costa Ramalho, Alguns aspectos da vida universitária em Coimbra nos meados do século XVI (1548-1554), Revista Humanitas, volume XXXVII-XXXVIII, 1985-1986, Universidade de Coimbra.

Cortesia da UCoimbra/JDACT